247 - O arquivo digital de publicações como Folha de S. Paulo e a própria Veja permite juntar os pontos e conectar as propinas pagas pela Alstom no Brasil ao caixa dois da campanha presidencial do PSDB em 1998, que reelegeu Fernando Henrique Cardoso. Nessa trama, um dos personagens centrais é o vereador Andrea Matarazzo, que foi recentemente indiciado pela Polícia Federal, mas alega inocência e vem sendo ardorosamente defendido por áulicos do PSDB, como o blogueiro Reinaldo Azevedo.
Matarazzo desponta nesse jogo numa reportagem da Folha de S. Paulo de 12 de novembro de 2000, assinada pelos jornalistas Wladimir Gramacho e Andrea Michael. "Documento revela doações não registradas para a campanha de FHC", diz o título do texto, que foi uma das manchetes principais da Folha naquele dia.
12/11/2000 - 08h34
Documento revela doações não registradas para campanha de FHC
ANDRÉA MICHAEL
WLADIMIR GRAMACHO
da Folha de S.Paulo
Planilhas eletrônicas sigilosas do comitê eleitoral de Fernando Henrique Cardoso revelam que sua campanha pela reeleição, em 1998, foi abastecida por um caixa-dois, expediente ilegal. Pelo menos R$ 10,120 milhões deixaram de ser declarados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Os documentos trazem à tona, pela primeira vez, detalhes do subterrâneo financeiro da campanha presidencial. Ali, descobre-se que R$ 1 em cada R$ 5 arrecadados foi parar numa contabilidade paralela, cujo destino final ainda é desconhecido.
A leitura dessas planilhas também desvenda um poderoso esquema de arrecadação de fundos. Um grupo de alto nível -composto pelo hoje ministro Andrea Matarazzo (Secretaria de Comunicação), pelo empresário Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira (Ipiranga) e pela banqueira Kati Almeida Braga (Icatu), entre outros- visitava empresários e negociava doações.
Nos bastidores, o trabalho era reforçado por pessoas ligadas ao ex-secretário presidencial Eduardo Jorge Caldas Pereira. Entre elas: Jair Bilachi (ex-presidente da Previ), Pedro Pereira de Freitas (presidente da Caixa Seguros) e Mário Petrelli (ex-sócio de EJ).
As planilhas foram criadas por Sérgio Luiz Gonçalves Pereira. Serviam para sistematizar informações obtidas por seu irmão, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, presidente do comitê financeiro de FHC nas duas campanhas presidenciais (1994 e 1998).
Procurado pela Folha, Bresser admitiu haver utilizado planilhas para organizar a contabilidade da campanha. Mas disse tê-las jogado fora e não se lembrar exatamente de seu conteúdo.
O ex-ministro, no entanto, negou a autoria da principal e mais completa planilha, que faz parte de oito arquivos obtidos pelo Ministério Público durante as investigações sobre o caso EJ. A Folha tem cópia dos documentos.
Os recursos não declarados ao TSE estão descritos em 34 registros existentes na planilha principal. Eles indicam que o comitê financeiro de FHC recebeu pelo menos R$ 53,120 milhões.
É mais do que os R$ 43 milhões declarados oficialmente. Porém menos do que o limite de gastos fixado previamente pelo próprio comitê, de R$ 73 milhões, e informado ao TSE. Havia, portanto, margem de sobra para que todas as doações fossem declaradas -o que não foi feito.
Especialistas ouvidos pela Folha disseram que o uso de caixa-dois numa campanha eleitoral pode motivar ações por falsidade ideológica, corrupção eleitoral, sonegação fiscal e evasão de divisas.
Segundo o artigo 21 da Lei Eleitoral (9.504/97), "o candidato é o único responsável pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha".
A soma de R$ 10,120 milhões no caixa-dois da reeleição é um cálculo conservador. Deixa de fora outros R$ 4,726 milhões, doados por empresas que constam da lista do TSE, só que com valores menores do que os da planilha mais completa. Ou ainda por um grupo de empreiteiras cujos valores foram lançados nessa planilha sob a rubrica de uma associação de classe.
Nos últimos dois meses, a Folha procurou uma centena de executivos e empresários. A maioria deles não quis falar abertamente sobre o assunto. Mas, em 14 conversas, 11 delas gravadas, pessoas que estavam dos dois lados do balcão, arrecadando fundos ou doando recursos para a reeleição, comprovaram a veracidade das planilhas montadas por Sérgio Pereira e utilizadas por seu irmão.
Além de Bresser, dois executivos tinham a chave do cofre da campanha: Egydio Bianchi e Adroaldo Wolf. Sob o compromisso de que não tivesse seu nome revelado, um deles confirmou à Folha que parte das doações não foi declarada ao TSE.
"Dizer que não há doações que não passam pelo oficial não tem cabimento. Mas o grosso está na contabilidade. Se algo ficou de fora, foi marginal", minimizou o tucano. O executivo, porém, negou-se a quantificar com objetividade esses recursos paralelos.
A principal planilha obtida pela Folha tem data de 30 de setembro de 1998, portanto quatro dias antes da reeleição do presidente. Na ocasião, a contabilidade de Bresser ainda não havia registrado todas as contribuições feitas à campanha eleitoral de FHC.
Outras doações, no valor de R$ 8,2 milhões, foram feitas nos dias subsequentes à eleição, o que também contraria a lei. É provável que exista uma planilha mais atual, com a contabilidade final da campanha, à qual o jornal não teve acesso.
A tabela obtida pela Folha totaliza R$ 39,521 milhões em doações: parte confere integralmente com o que está no TSE (R$ 15,224 milhões), outra apenas parcialmente (R$ 14,177 milhões) e uma terceira não consta da declaração oficial (R$ 10,120 milhões).
Os responsáveis por este último valor apresentaram à Folha explicações oblíquas e contradições a respeito do que está escrito no documento. Em comum, apenas o desconforto ao tratar de um tema que virou tabu na política brasileira.
O publicitário Roberto Duailibi, da agência DPZ, por exemplo, entrou em contradição ao falar sobre as doações feitas por sua empresa. A principal planilha informa que a DPZ contribuiu com R$ 200 mil.
Em três conversas com a Folha, Duailibi começou com uma afirmação categórica: "Colaboramos dentro dos parâmetros da lei". Numa segunda conversa, mesmo não confirmando o dado da planilha, foi específico: "Foram R$ 7.500, naquele sistema normal de partido (recibos eleitorais)". Por fim, ao saber que isso não estava no TSE, ligou para o jornal e recuou: "Nós não contribuímos".
O empresário Geraldo Alonso, da agência Publicis Norton, disse que não deu dinheiro para o comitê, mas admitiu haver prestado serviços de publicidade. Exatamente o que informa a planilha, segundo a qual esse trabalho teria sido avaliado em R$ 50 mil.
Mais tarde, Alonso também procurou a Folha para negar a doação. "Acho que a vontade de prestar serviços era grande. Mas nós não prestamos", disse ele, ao justificar a negativa.
Nem todos os envolvidos negaram doações que escapam aos registros do TSE. A banqueira Kati Almeida Braga (Icatu), que também ajudou a coletar fundos, admite que uma de suas empresas, a Atlântica Empreendimentos Imobiliários, contribuiu para a reeleição. Segundo a planilha, foram R$ 100 mil. O comitê financeiro não registrou essa doação na contabilidade oficial.
Kati negou-se a dar entrevistas. Apenas enviou ao jornal documentos provando que tem recibo eleitoral do PSDB e que, portanto, está quite com a lei. Implicitamente, atribuiu a falha ao partido de FHC.
De Belém, o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Edson Franco, conta como as universidades foram atraídas para a campanha.
"Fui procurado pelo ex-ministro Bresser Pereira e sei que várias instituições contribuíram. A (Faculdade) Anhembi-Morumbi contribuiu, com certeza. Se não estou enganado, a Universidade Ibirapuera e a Unip, do (João Carlos) Di Gênio, também", disse Edson Franco. Nenhuma delas está no TSE.
Reitor da Universidade da Amazônia (Unama), Franco negou que a instituição tivesse doado R$ 20 mil, como informa a planilha. Quem doou R$ 20 mil foi a ABMES, o que foi considerado ilegal pelo TSE. Ainda assim, o reitor dá outras pistas sobre contribuições paralelas.
"Eu investiguei o negócio. A contribuição foi de R$ 10 mil, dada por cinco pessoas da Unama, cada uma com R$ 2.000. Foram Paulo Batista, Graça Landeira, Antônio Vaz e não sei os outros dois", relatou Franco. O TSE também não tem registro de nenhum deles.
A empresária Nely Jafet, irmã do ex-prefeito Paulo Maluf, só doou para a campanha sob a condição expressa de que a contribuição -R$ 50 mil, segundo a planilha -fosse para o caixa-dois.
"Dei uma contribuição pequena. Não lembro de quanto. Foi em dinheiro e pedi para não registrar (no TSE), porque eu não queria aparecer para que outros candidatos não começassem a pedir", justificou Nely Jafet, que tem relações cortadas com Maluf.
A maior doação não declarada ao TSE, de R$ 3 milhões, é atribuída pela planilha ao hoje ministro Andrea Matarazzo, da Secretaria de Comunicação da Presidência. Dinheiro sem procedência nem destino conhecidos, de acordo com o documento.
"Não pode ser. Não conheço a planilha. Não tenho idéia. Muito menos valores desse tamanho", reagiu Matarazzo. "Eu não fui arrecadador. Não me ponha como arrecadador. Fiz alguns jantares com empresários. E só", rebateu o ministro.
Seus colegas de campanha dizem coisa diferente. "O Andrea também foi (arrecadador), no começo", lembra Bresser. "Havia uma certa competição, talvez em função da vontade dele de ir para Brasília", conta o publicitário Luiz Fernando Furquim, outro coletor.
No Rio de Janeiro, Kati Almeida Braga procurou 18 empresários para recolher doações. No périplo, bateu à porta da Sacre, onde obteve R$ 50 mil para FHC. Contou com a simpatia do banqueiro foragido Salvatore Alberto Cacciola, dono da empresa.
Até mesmo Wagner Canhedo (Vasp) -que deve R$ 3 bilhões -foi procurado. A contribuição dada pelo empresário, de R$ 150 mil, não tem registro no TSE. A assessoria de Canhedo confirmou a doação, mas não precisou o valor.
Apesar da soma expressiva recolhida pelo grupo de Bresser -mais da metade dos R$ 43 milhões declarados ao TSE-, a tarefa não foi fácil. Nada menos que 309 dos contatados frustraram o assédio.
Dentre as doações obtidas a fórceps, porém, nenhuma se compara à da Coteminas, indústria têxtil que pertence ao senador José Alencar (PMDB-MG).
A empresa vendeu 2,1 milhões de camisetas aos tucanos e, por causa delas, amargou uma dívida de R$ 3 milhões, ainda não quitada. Para fechar o negócio, a Coteminas foi instada a entregar como doação outras 415 mil peças e a distribuí-las de acordo com indicações da campanha. Algo avaliado em R$ 589 mil, registrado pela empresa em notas de doação e que deveria ter sido, obrigatoriamente, declarado ao TSE. Mas não foi.
O empresário Josué Gomes, vice-presidente da Coteminas e filho do senador, não só reconhece a doação como reclama a falta dos recibos eleitorais. "Para minha surpresa, não recebemos os bônus (recibos). Você faz a doação, mas o partido é que é responsável pela entrega dos bônus", disse Gomes. Agora, ele sabe que não é o único doador que o comitê de FHC deixou sem recibo.
fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u10901.shtml
Segundo a reportagem, pelo menos R$ 10,1 milhões não foram declarados ao Tribunal Superior Eleitoral. E as informações vinham de uma planilha feita pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, que foi o tesoureiro das duas campanhas presidenciais de FHC.
Dos R$ 10,1 milhões, a maior parte, segundo a planilha de Bresser Pereira, havia sido arrecadada por Matarazzo. Eis o que diz a reportagem:
A maior doação não declarada ao TSE, de R$ 3 milhões, é atribuída pela planilha ao hoje ministro Andrea Matarazzo, da Secretaria de Comunicação da Presidência. Dinheiro sem procedência nem destino conhecidos, de acordo com o documento.
"Não pode ser. Não conheço a planilha. Não tenho idéia. Muito menos valores desse tamanho", reagiu Matarazzo. "Eu não fui arrecadador. Não me ponha como arrecadador. Fiz alguns jantares com empresários. E só", rebateu o ministro.
Seus colegas de campanha dizem coisa diferente. "O Andrea também foi (arrecadador), no começo", lembra Bresser. "Havia uma certa competição, talvez em função da vontade dele de ir para Brasília", conta o publicitário Luiz Fernando Furquim, outro coletor.
Ou seja: embora Matarazzo tenha negado agir como arrecadador, seu papel nesse trabalho de levantar recursos foi confirmado pelo próprio Bresser Pereira e pelo publicitário Luiz Fernando Furquim.
Diante da gravidade da denúncia da Folha, a própria Veja decidiu repercutir o caso. E o fez numa reportagem do jornalista Alexandre Oltramari, de 22 de novembro de 2000.
No texto "O caixa dois de volta à luz", Veja não fez contorcionismos retóricos para negar o caixa dois na campanha de FHC – uma vez que o próprio tesoureiro de campanha, Bresser Pereira, o confirmara. O que Veja fez foi afirmar que outros partidos, como o PT, subestimaram os seus gastos.
O caixa dois de volta à luz
Contas paralelas da campanha de FHC viram
quase pilhéria, mas o tema é gravíssimo
Alexandre Oltramari
Roberto Jayme
Bresser, o tesoureiro: "Não sei explicar" |
A Folha de S.Paulo atirou em um ninho de tucanos e acertou numa manada de elefantes. Há uma semana, o jornal publicou uma reportagem em que denunciava a existência de caixa dois na campanha de reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo a planilha obtida pela Folha, o tesoureiro da campanha tucana, Luiz Carlos Bresser Pereira, teria deixado de declarar ao Tribunal Superior Eleitoral doações superiores a 10 milhões de reais, para 43 milhões de contribuições corretamente registrados na contabilidade da campanha. Fechou o tempo em Brasília. Como invariavelmente ocorre nessas situações, o bigode do deputado petista Aloizio Mercadante pediu logo uma investigação do Ministério Público. E tudo parecia encaminhar-se para uma formidável crise política quando uma mágica começou a acontecer.
Líderes tucanos disseram que estava na hora de fazer, sim, uma devassa na contabilidade das doações de campanha – mas na de todos os grandes políticos nacionais, já que eles têm caixa dois, e isso é público e notório. O deputado Arthur Virgílio, líder do governo no Congresso, chegou a dizer que os 3 milhões declarados por Luís Inácio da Silva como doações na campanha presidencial de 1998 eram "uma piada". Em sua edição de sexta-feira, a Folha chamou especialistas para avaliar o estrago. De acordo com o prefeito eleito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, com exceção dele próprio, todos os políticos mentem na hora de prestar contas dos fundos arrecadados. E o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe, Antônio Goes, disse que a coisa vai além de caixa dois. "Tem caixa dois, caixa três, caixa quatro. De presidente a vereador, não escapa ninguém."
O assunto, gravíssimo, adquiriu tom de pilhéria com o passar dos dias. Mas deveria provocar, além de espanto, providências. O que se está vendo são declarações segundo as quais a corrupção grassa nos meios políticos de norte a sul e de alto a baixo. O caixa dois mantido pelos políticos é o sinal mais evidente de que tanto doadores como beneficiados têm algo a esconder no presente e terão algo a cobrar ou fornecer no futuro. No Brasil do governo de Fernando Collor, os mais ilustres empresários nacionais foram apanhados com a mão na massa dando dinheiro ao tesoureiro PC Farias, sob pretexto de serviços de consultoria, prestados a propósito dos mais escalafobéticos motivos. Encerrada a era Collor, a caixinha perdeu aquele viço insuperável da República de Alagoas, mas continuou existindo.
Que teve, teve – Num primeiro momento, os tucanos, atingidos pela denúncia, ensaiaram uma versão de que a planilha do caixa dois podia não ser verdadeira. Após receber um telefonema de Fernando Henrique, no qual o presidente demonstrava preocupação com a notícia, Bresser Pereira tentou explicar-se. Admitiu ser o dono da planilha e contou que seu irmão, Sérgio Luiz, o ajudou no trabalho, porém afirmou que ela foi alterada. "Eu montei uma planilha, mas abandonei o sistema depois de dois meses porque não funcionava", disse o ex-ministro. "Não houve gastos nem receitas que não foram contabilizados. Não sei explicar de onde saiu isso." A ordem no Planalto era para que ninguém no governo comentasse o assunto. No apartamento de Bresser, em São Paulo, os empregados avisavam aos jornalistas que ele viajara para os Estados Unidos. O ministro Andrea Matarazzo, que aparece na lista do "por fora" com uma doação de 3 milhões de reais, mandou seus assessores dizer que tinha ido para a fazenda e estava "incomunicável". Puro teatro. Nem Bresser havia embarcado para os Estados Unidos nem Matarazzo estava "incomunicável".
No final da semana, ninguém tinha mais dúvida de que a planilha revelava o caixa dois da campanha. Além de Bresser Pereira, outras duas pessoas tinham acesso à contabilidade da campanha de Fernando Henrique: o ex-presidente dos Correios Egydio Bianchi e Adroaldo Wolf. Em conversa com VEJA, um deles admitiu que a campanha, de fato, usou a contabilidade paralela. "Que teve uma contabilidade paralela, eu não tenho dúvida. O que eu não sei é se desviaram o dinheiro ou se não declararam para proteger a identidade do doador", diz um dos tesoureiros. Na quarta-feira passada, falando de seu apartamento em São Paulo, Bresser desabafou: "Não posso ser responsabilizado por tudo que ocorreu de alto a baixo na campanha", disse. "Se alguém recebeu dinheiro e não registrou, como eu posso saber?" Entre os tucanos, o nome de Egydio Bianchi, que entrou no governo pelas mãos do ex-ministro Sergio Motta, circulava como o principal suspeito de ter vazado as planilhas com o caixa dois da campanha. Demitido dos Correios há quatro meses pelo ministro Pimenta da Veiga, das Comunicações, Bianchi saiu atirando. Chegou a ter um encontro com Fernando Henrique no qual torpedeou a administração de Pimenta da Veiga e prometeu entregar um dossiê com acusações.
Mistérios da popularidade – A ficção das prestações de contas eleitorais é uma prática tão disseminada entre todos os partidos que não se encontra nenhuma lógica nos gastos. Em São Paulo, o senador Eduardo Suplicy, do PT, disse ao tribunal eleitoral que gastou 31.000 reais em sua última campanha para o Senado. É um fenômeno de campanha barata. Até sua colega de Senado e partido, Heloisa Helena, de Alagoas, gastou um pouco mais que isso, 42.000 reais, com a significativa diferença de que precisou pregar para um eleitorado muito menor que o de São Paulo. Pode-se argumentar que Suplicy era tão, mas tão popular, que quase nem precisou mexer-se para convencer os eleitores a votar nele, enquanto Heloísa Helena era uma figura tão desconhecida que teve de gastar algum a mais. Qualquer um que conheça um pouco da realidade de São Paulo e de Alagoas sabe que nem Suplicy tinha essa popularidade assombrosa nem a senadora fez uma campanha excepcionalmente cara.
Raul Junior
Matarazzo, que aparece com 3 milhões de reais: "incomunicável" |
Disparidades assim aparecem em qualquer exame, por mais superficial que seja, nas prestações de contas dos candidatos. Empresário bem-sucedido, dono de hotéis e agência de turismo em Fortaleza, o tucano Nelson Otoch, do Ceará, informou à Justiça Eleitoral que sua campanha vitoriosa para deputado federal em 1998 consumiu só 7,2 mil reais. É um caso de estudo: Otoch corre o risco de ter feito a campanha mais barata da história republicana. A falta de lógica financeira também aparece nas disputas aos governos estaduais. Na Paraíba, o governador José Maranhão chegou lá desembolsando apenas 116.500 reais. Em Sergipe, o governador Albano Franco, embora concorrendo num Estado menor que a Paraíba, gastou dez vezes mais, 1,3 milhão de reais, para se reeleger. "Eu tinha um apoio popular grande. Não precisei gastar muito dinheiro", explica o governador José Maranhão. São os mistérios da popularidade.
Até agora, a revelação do caixa dois de FHC teve duas conseqüências práticas. No plano político, decidiu-se acelerar as discussões sobre o financiamento público de campanhas, como já ocorre em países como Estados Unidos, Suécia e França. O projeto que tramita no Congresso prevê que, em vez da correria em busca de financiadores privados, os partidos passariam a receber do governo federal uma determinada quantia para bancar os custos das eleições. O fundo idealizado teria hoje um total de 770 milhões de reais, a ser distribuído de acordo com o tamanho de cada partido. Na área criminal, o Ministério Público anunciou que vai investigar os doadores que aparecem na contabilidade paralela e os arrecadadores da campanha do presidente. Os procuradores querem saber se houve sonegação fiscal por parte das empresas e se os responsáveis pela arrecadação cometeram falsidade ideológica ao se eximir de declarar as contribuições à Justiça Eleitoral – dois crimes previstos no Código Penal. Também vão investigar se as doações, oficiais e clandestinas, foram retribuídas pelo governo depois da eleição. É uma investigação complexa, mas os procuradores já trabalham com pelo menos um indício.
Roberto Jayme
| Ana Araujo
| Ana Arauj
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Suplicy, que gastou 31 000 reais na campanha para o Senado, o governador da Paraíba, José Maranhão (foto do centro), que diz ter concorrido com "muito apoio", e o deputado cearense Nelson Otoch (à dir.): mestres em fazer campanhas baratíssimas |
Barriga cheia – Um dos contribuintes que aparecem na contabilidade clandestina é a Coteminas, indústria têxtil do senador José Alencar (PMDB-MG). A empresa, que doou 415 000 camisetas à campanha de FHC e vendeu outros 3 milhões de reais em camisetas ao PSDB, reclama que até hoje a dívida não foi paga. Talvez esteja reclamando de barriga cheia. Dois meses depois das eleições, a Funcef, o bilionário fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal, injetou 23,6 milhões de reais na empresa do senador. A Funcef brindou-a com seus milhões num momento em que poucos no mercado se aventuravam em negócios com papéis da Coteminas. Depois de se valorizar 3.500% entre 1994 e 1997, as ações despencaram em 1998. Voltaram ao valor de quatro anos antes. O apetite dos investidores pelos papéis da empresa também diminuiu no mesmo período. Na Funcef, porém, a vontade de despejar dinheiro na Coteminas era tanta que o fundo pagou quase três vezes mais pelas ações. Na data da compra, no dia 17 de dezembro de 1998, uma ação valia 16 centavos. O fundo comprou cada uma, no mesmo dia, por 41 centavos. Resultado: ao pagar mais que a cotação de mercado, despejou 14,4 milhões além do que deveria na Coteminas. Na época, o presidente da Funcef era José Fernando de Almeida, apadrinhado do ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira, que integrou o comando da campanha de FHC.
Fotos Roberto Jayme/Antonio Milena/Ricardo Stuckert
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fonte: http://veja.abril.com.br/221100/p_048.html
A reportagem de Oltramari não poupa Andrea Matarazzo, acusado de mentir à revista. Eis um trecho da reportagem, a partir do subtítulo autoexplicativo "Que teve, teve":
Que teve, teve – Num primeiro momento, os tucanos, atingidos pela denúncia, ensaiaram uma versão de que a planilha do caixa dois podia não ser verdadeira. Após receber um telefonema de Fernando Henrique, no qual o presidente demonstrava preocupação com a notícia, Bresser Pereira tentou explicar-se. Admitiu ser o dono da planilha e contou que seu irmão, Sérgio Luiz, o ajudou no trabalho, porém afirmou que ela foi alterada. "Eu montei uma planilha, mas abandonei o sistema depois de dois meses porque não funcionava", disse o ex-ministro. "Não houve gastos nem receitas que não foram contabilizados. Não sei explicar de onde saiu isso." A ordem no Planalto era para que ninguém no governo comentasse o assunto. No apartamento de Bresser, em São Paulo, os empregados avisavam aos jornalistas que ele viajara para os Estados Unidos. O ministro Andrea Matarazzo, que aparece na lista do "por fora" com uma doação de 3 milhões de reais, mandou seus assessores dizer que tinha ido para a fazenda e estava "incomunicável". Puro teatro. Nem Bresser havia embarcado para os Estados Unidos nem Matarazzo estava "incomunicável".
No final da semana, ninguém tinha mais dúvida de que a planilha revelava o caixa dois da campanha. Além de Bresser Pereira, outras duas pessoas tinham acesso à contabilidade da campanha de Fernando Henrique: o ex-presidente dos Correios Egydio Bianchi e Adroaldo Wolf. Em conversa com VEJA, um deles admitiu que a campanha, de fato, usou a contabilidade paralela. "Que teve uma contabilidade paralela, eu não tenho dúvida. O que eu não sei é se desviaram o dinheiro ou se não declararam para proteger a identidade do doador", diz um dos tesoureiros. Na quarta-feira passada, falando de seu apartamento em São Paulo, Bresser desabafou: "Não posso ser responsabilizado por tudo que ocorreu de alto a baixo na campanha", disse. "Se alguém recebeu dinheiro e não registrou, como eu posso saber?" Entre os tucanos, o nome de Egydio Bianchi, que entrou no governo pelas mãos do ex-ministro Sergio Motta, circulava como o principal suspeito de ter vazado as planilhas com o caixa dois da campanha. Demitido dos Correios há quatro meses pelo ministro Pimenta da Veiga, das Comunicações, Bianchi saiu atirando. Chegou a ter um encontro com Fernando Henrique no qual torpedeou a administração de Pimenta da Veiga e prometeu entregar um dossiê com acusações.
Em 2008, depois que eclodiu o escândalo internacional das propinas da Alstom, pela primeira vez, a imprensa brasileira associou a multincional francesa a doações de campanha para o PSDB. Isso foi feito na reportagem "Caixa dois de FHC citava empresas da Alstom", de José Ernesto Credendio, Mario Cesar Carvalho e Andrea Michael. Leia aqui um trecho:
Caixa 2 de FHC citava empresas da Alstom
Cegelec e ABB estavam em planilhas do PSDB que foram tornadas públicas em 2000; não há menção a valores no documento
Planilhas atribuem a Andrea Matarazzo, então secretário de Energia de São Paulo, a missão de buscar recursos junto a empresas; ele nega
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
ANDREA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Duas empresas do grupo francês Alstom são citadas nas planilhas eletrônicas do comitê financeiro do PSDB que deveriam abastecer o caixa dois da campanha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à reeleição, em 1998. As empresas são a Cegelec e a ABB.
As planilhas, tornadas públicas em 2000, atribuem ao atual secretário de Subprefeituras de São Paulo, Andrea Matarazzo (PSDB), então secretário de Energia do Estado, a missão de buscar recursos junto a empresas. As estatais de energia eram os principais clientes da Alstom no governo de São Paulo.
Porém, não era atribuída à Cegelec e à ABB nenhuma meta de arrecadação. A planilha também não informa se elas deram dinheiro ao PSDB. Em 1998, Matarazzo acumulou o cargo de secretário com o de presidente da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), justamente uma das principais clientes da Alstom.
Memorandos internos trocados em 1997 entre diretores da Alstom, na França, apreendidos por promotores da Suíça, dizem que seriam pagas "comissões" para obter negócios com o governo paulista.
Num desses memorandos, um diretor da Cegelec em Paris diz estar disposto a pagar 7,5% para obter um contrato de R$ 110 milhões da Eletropaulo.
A Alstom comprou a Cegelec justamente naquele ano.
Os papéis citam que a comissão seria dividida entre "as finanças do partido", "o tribunal de contas" e "a Secretaria de Energia". A Eletropaulo era subordinada até abril de 1998 à pasta dirigida por Matarazzo.
Eventos de 1998
O ano de 1998 foi marcado por eventos relacionados às investigações iniciadas na Suíça:
1) O contrato em que a Cegelec dizia estar disposta a pagar uma comissão de 7,5% foi firmado naquele ano;
2) Entre outubro e dezembro, houve duas transferências de dólares ordenadas pela Alstom francesa, que foram parar na conta da "offshore" MCA Uruguay Ltd., nas Ilhas Virgens Britânicas, controlada pelo brasileiro Romeu Pinto Jr. no valor de US$ 505 mil, que seriam usados na propina.
Com a privatização e a cisão da Eletropaulo, o contrato de R$ 110 milhões foi herdado pela EPTE (Empresa Paulista de Transmissão de Energia), outra estatal paulista.
Com a reeleição de FHC, Matarazzo assumiu no ano seguinte o cargo de ministro-chefe de Comunicação da Presidência.
A Alstom, um dos maiores grupos do mundo na área de energia e transportes, tinha contratos à época também com estatais da União, como Petrobras, Eletrobrás e Itaipu.
Reportagem da Folha de dezembro de 2000 revelou que Matarazzo teria obtido ao menos R$ 3 milhões para o caixa dois. Na planilha com as metas de arrecadação, aparece o nome "Andrea Matarazzo - MM". Ele teria de arrecadar R$ 6,02 milhões. Ao menos R$ 10,12 milhões foram para o caixa dois de 1998.
Além da relação das empresas, a planilha menciona os nomes dos diretores ou contatos a serem procurados pelos arrecadadores de campanha.
A autoria das planilhas foi atribuída ao ex-ministro da Administração e Reforma do Estado Luiz Carlos Bresser Pereira, tesoureiro oficial das duas campanhas presidenciais de FHC. Atualmente, ele diz que elas podem ter sido montadas.
Procurado pela Folha na época, Matarazzo negou ter participado da arrecadação de recursos para FHC. "Vou te falar mais uma vez meu papel nisso daí [campanha]: fiz dois jantares, dos quais o presidente participou. Ele apresentou o programa de governo. O Luiz Carlos Bresser [Pereira] foi, e ponto", dizia Matarazzo.
O hoje secretário de Gilberto Kassab (DEM) disse que somente coordenava a ação política da campanha de FHC no Estado de São Paulo.
O próprio Bresser, porém, confirmou à Folha em 2000 que Matarazzo participava da busca de recursos. "O Andrea também foi [arrecadador], no começo." Ontem, em entrevista por telefone de Paris, Bresser reafirmou que Matarazzo ajudou na arrecadação da campanha da reeleição de FHC "no início". Ele, no entanto, diz que só agora soube que existia uma empresa chamada Alstom.
O publicitário Luiz Fernando Furquim, que atuou na campanha, referendou em 2000 a declaração de Bresser: "Havia uma certa competição [entre Bresser e Matarazzo], talvez em função da vontade dele [Matarazzo] de ir para Brasília". A investigação sobre as planilhas do caixa dois nunca foi adiante porque a Justiça não autorizou a quebra de sigilo dos comitês de campanha.
fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0407200813.htm
Duas empresas do grupo francês Alstom são citadas nas planilhas eletrônicas do comitê financeiro do PSDB que deveriam abastecer o caixa dois da campanha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à reeleição, em 1998. As empresas são a Cegelec e a ABB.
As planilhas, tornadas públicas em 2000, atribuem ao atual secretário de Subprefeituras de São Paulo, Andrea Matarazzo (PSDB), então secretário de Energia do Estado, a missão de buscar recursos junto a empresas. As estatais de energia eram os principais clientes da Alstom no governo de São Paulo.
Porém, não era atribuída à Cegelec e à ABB nenhuma meta de arrecadação. A planilha também não informa se elas deram dinheiro ao PSDB. Em 1998, Matarazzo acumulou o cargo de secretário com o de presidente da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), justamente uma das principais clientes da Alstom.
Memorandos internos trocados em 1997 entre diretores da Alstom, na França, apreendidos por promotores da Suíça, dizem que seriam pagas "comissões" para obter negócios com o governo paulista.
Num desses memorandos, um diretor da Cegelec em Paris diz estar disposto a pagar 7,5% para obter um contrato de R$ 110 milhões da Eletropaulo.
A Alstom comprou a Cegelec justamente naquele ano.
Os papéis citam que a comissão seria dividida entre "as finanças do partido", "o tribunal de contas" e "a Secretaria de Energia". A Eletropaulo era subordinada até abril de 1998 à pasta dirigida por Matarazzo.
Por essas e outras razões, Andrea Matarazzo foi indiciado pela Polícia Federal, que usou, inclusive, a teoria do domínio do fato para incriminá-lo. Os indícios são mais do que veementes e conectam as propinas da Alstom ao caixa dois da campanha de FHC, que foi admitido pelo próprio tesoureiro Bresser Pereira.
No entanto, num post publicado ontem, o blogueiro Reinaldo Azevedo dá mais um piti em defesa de Matarazzo. Puro desespero.
fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/poder/111437/Propina-da-Alstom-ajudou-a-bancar-reelei%C3%A7%C3%A3o-de-FHC.htm