quarta-feira, 20 de março de 2013

Mídia ocidental ‘prepara’ guerra contra a Coreia do Norte


As agências de notícia e os grandes jornais da Europa e dos EUA já fizeram isso quando inventaram fatos sobre Saddam Hussein antes de os norte-americanos invadirem o Iraque. A estratégia é difamar o adversário para ‘ganhar’ a opinião pública internacional. Na mídia, Kim Jong-um é retratado como um insano ‘Doctor Evil’ e o povo norte-coreano, como loucos que matam crianças para saciar a fome.

No Vaticano, o discurso religioso não esconde a luta pelo poder


Na arena católica, o poder fraciona-se, assimetricamente, entre pelo menos sete polos: o pontifício; o cardinalício; o episcopal-clerical; o burocrático-central; o das ordens e das congregações religiosas; o dos leigos e dos movimentos; o da sociedade civil intra-eclesiástica. Neste primeiro artigo de uma série escrita pelo jornalista Dermi Azevedo, o tema é o polo pontifício.

Classificado pelo historiador Arnold Toynbee como “a instituição mais popular do Ocidente”, o Papado permanece, há séculos, como ator destacado no cenário internacional. Com o seu discurso encoberto pela linguagem de caráter religioso, a cúpula da Igreja não consegue disfarçar uma realidade humana: a da luta e da disputa pelo poder. 

No momento em que um papa renuncia e outro é eleito por um colégio eleitoral com apenas 115 cardeais votantes, a opinião pública mundial divide-se diante do significado desses acontecimentos e nunca fica indiferente.

Na arena católica, o poder fraciona-se, assimetricamente, entre pelo menos sete polos: 1) o polo pontifício; 2) polo cardinalício; 3) o polo episcopal-clerical, representado pelos bispos e pelos demais clérigos; 4) o polo burocrático-central, concentrado na Cúria Romana; 5) o polo das ordens e das congregações religiosas; 6) o polo dos leigos e dos movimentos; 7) o polo da sociedade civil intra-eclesiástica.

O polo pontifício
O polo pontifício é o principal ponto de referência da Igreja Romana. O papa é, ao mesmo tempo, o bispo de Roma e o “primus inter pares” no conjunto do episcopado mundial. 

O Código do Direito Canônico, promulgado em 28 de janeiro de 1983 (e que representa a lei fundamental da Igreja), define o papa como sucessor do apóstolo Pedro, “cabeça do colégio dos Bispos, Vigário de Cristo e Pastor da Igreja Universal, tendo, em virtude de sua missão, o poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal, que pode sempre exercer livremente” (Can. 333). 

A ele compete dirigir o Colégio dos Bispos em sua condição de “sujeito de poder supremo e pleno” (Can 336). O colégio ou corpo episcopal “não pode ser exercido senão com o consentimento do romano pontífice”.

Dentro e fora da Igreja Romana, a instituição do papado continua a ser influente inclusive como um fenômeno midiático. O núcleo originário da ação pastoral do papa sempre esteve marcado por determinadas circunstancias históricas, que o modificaram. Originariamente, o papa exercia o seu ministério em sua condição de bispo da Igreja local de Roma. Não havia um modelo pontifício único. 

Em seu conflito com o imperador germânico, o Papa Gregório VII apontou, no documento “Dictatus Papae” , em 1075, alguns poderes pontifícios : “nenhum texto canônico existe fora de sua autoridade; sua sentença não pode ser reformada por ninguém e ele sozinho pode reformar a sentença de todos; ele não deve ser julgado por ninguém”.

O Concilio Vaticano II definiu, como prerrogativas do papa, a sua jurisdição universal imediata, ordinária, plenária e suprema e a sua infalibilidade quando fala “ex cathedra”. Ou seja, quando fala na sua condição de Pontífice Romano, como pastor e como doutor. 

Quanto aos títulos, o papa, como já foi dito, é o bispo de Roma, o chefe da Igreja, o sumo pontífice (nome herdado do “Pontifex maximus”, do Império Romano); o vigário de Cristo e soberano do Estado da Cidade do Vaticano. Ele possuía também o título de Patriarca do Ocidente, abolido no governo de Paulo VI.

Texto do “Dictatus Papae”, de 1075:

I. «Quod Romana ecclesia a solo Domino sit fundata». (Que a Igreja Romana foi fundada somente pelo Senhor).

II. «Quod solus Romanus pontifex iure dicatur universalis». (Que só o Pontífice Romano seja dito legitimamente universal).

III. «Quod ille solus possit deponere espiscopus vel reconciliare». (Que só ele possa depor ou repor bispos).

IV. «Quod legatus eius omnibus episcopis presit in concilio etiam inferioris gradus et adversus eos sententiam depositionis possit dare». (Que os seus legados, ainda que de grau inferior, em um concílio estão acima de todos os bispos, e pode contra estes pronunciar sentença de deposição).

V. «Quod absentes papa possit deponere» (Que o Papa possa depor ausentes).

VI. «Quod cum excommunicatis ab illo inter cetera nec in eadem domo debemus manere». (Que com os excomungados pelo Papa não podemos, entre outras coisas, permanecer na mesma casa).

VII. «Quod illi soli licet pro temporis necessitate novas leges condere, novas plebes congregare, de canonica abatiam facere et e contra, divitem episcopatum dividere et inopes unire». (Que só a ele é lícito, segundo necessidade temporal, ditar novas leis, formar novas comunidades, converter uma fundação em abadia e, reciprocamente, dividir uma diocese rica e reunir dioceses pobres).

VIII. «Quod solus possit uti imperialibus insigniis». (Que só ele possa levar as insígnias imperiais).

IX. «Quod solius pape pedes omnes principes deosculentur». (Que todos os príncipes devem beijar os pés do Papa).

X. «Quod illius solius nomen in ecclesiis recitetur». (Que o seu nome deve ser recitado em toda igreja).

XI. «Quod hoc unicum est nomen in mundo». (Que este nome é único no mundo).

XII. «Quod illi liceat imperatores deponere». (Que lhe seja lícito depor os imperadores).

XIII. «Quod illi liceat de sede ad sedem necessitate cogente episcopos transmutare». (Que lhe seja lícito trasladar bispos de uma sede para outra, se lhe obrigar a isso a necessidade).

XIV. «Quod de omni ecclesia quocunque voluerit clericum valeat ordinare». (Que possa ordenar clérigos de qualquer igreja onde queira).

XV. «Quod ab illo ordinatus alii eclesie preesse potest, sed non militare; et quod ab aliquo episcopo non debet superiorem gradum accipere». (Que um ordenado por ele possa presidir a outra igreja, mas não servi-la; e que o ordenado por ele não possa receber grau superior de outro bispo).

XVI. «Quod nulla synodus absque precepto eius debet generalis vocari». (Que nenhum sínodo se chame universal se não for por ordem do Papa).

XVII. «Quod nullum capitulum nullusque liber canonicus habeatur absque illius auctoritate». (Que nenhum capítulo nem nenhum livro seja considerado como canónico sem sua autorizada e permissão).

XVIII. «Quod sententia illius a ullo debeat retractari et ipse omnium solus retractare possit». (Que suas sentenças não sejam retratadas por ninguém e só ele possa revê-la).

XIX. «Quod a nemine ipse iudicare debeat». (Que não seja julgado por nada).

XX. «Quo nullus audeat condemnare apostolicam sedem apellantem». (Que nada pode condenar quem apela a Sede Apostólica).

XXI. «Quod maiores cause cuiscunque ecclesie ad eam referri debeant». (Que as causas maiores de qualquer igreja sejam referidas à sede apostólica).

XXII. «Quod Romana ecclesia nunquam erravit nec imperpetuum scriptura testante errabit».(Que a Igreja Romana nunca errou e não errará nunca, segundo testemunho das Escrituras).

XXIII. «Quod Romanus pontifex, si canonice fuerit ordinatus, meritis beati Petri indubitanter efficitur sanctus testante sancto Ennodio Papiensi episcopo ei multis sanctis patribus faventibus, sicut in decretis beati Symachi pape continetur». (Que o Pontífice Romano, uma vez ordenado canonicamente, é santificado indubitavelmente pelos méritos do bem-aventurado Pedro, segundo testemunho do santo bispo Enódio de Pavia, apoiado pelos muitos santos Padres segundo está nos decretos do Beato Papa Símaco).

XXIV. «Quod illius precepto et licentia subiectis liceat accusare». (Que por ordem e permissão sua seja lícito aos subordinados formular acusações).

XXV. «Quod absque synodali conventu possit episcopus deponere et reconciliare». (Que pode depor e restabelecer os bispos mesmo fora de reuniões de sínodo).

XXVI. «Quod catholicus non habeatur, qui non concordat Romane ecclesie». (Que ninguém seja chamado católico se não concorda com a Igreja Romana).

XXVII. «Quod a fidelitate iniquorum subiectos potest absolvere». (Que ele pode eximir os súditos) .


Fotos: Vaticano 

Os ultramultimilionários


A relação de ultramultimilionários do mundo voltou a alcançar máximas históricas, informa a 'Forbes': agora essa lista é formada por 1426 nomes com um valor patrimonial líquido de aproximadamente 5,4 trilhões de dólares. É algo inquietante. A pior crise econômica global desde a Depressão de 30 segue sem horizonte de terminar, enquanto aumenta a concentração de riqueza. O artigo é de Alfredo Zaiat, do Página/12.

Grande mídia e grande capital enlouqueceram Estado brasileiro


Sob o ataque de Sistema Globo e Abril, o Estado capitula, apostando numa segunda onda de privatização. Assim como fez com as tarifas públicas a partir dos anos 70, reduzem-se receitas públicas preparando o segundo passo da redução dos gastos.

Diz o provérbio romano que Júpiter enlouquece aqueles a quem quer perder. O Estado brasileiro está se deixando perder desde a segunda metade dos anos 70 quando um incipiente programa de privatização tomou a forma de dilapidação das empresas estatais mediante o sistemático rebaixamento de suas tarifas e preços sob o pretexto de combater a inflação. Entre 1975 e 1987, as tarifas elétricas tiveram queda real de 33%, no setor siderúrgico de 40%, na telefonia de 54%, nos Correios de 37%, no ferroviário de 13%. Não haveria receita que poderia suportar isso.

Esses dados, originalmente colhidos por Paulo Galletta, estão transcritos no meu livro “Análise da Crise Brasileira”, 1988, Forense. Depois de 1987 a situação apenas piorou. As estatais seriam estigmatizadas como incompetentes e de baixa produtividade, não obstante o contra-exemplo da Vale do Rio Doce, da Petrobrás, da Eletrobrás, da Embrapa, e também da Telebrás, que chegou a desenvolver tecnologia própria, genuinamente brasileira, em seu centro de pesquisa em São Paulo. Controlar e esmagar seus preços foram a forma de forçar a privatização.

Bem, convenhamos que certos setores industriais (aço) e certos serviços públicos (telecomunicações) podem perfeitamente ser comandados pelo setor privado. Esses na verdade representam um filé extraordinário, pois significa um fluxo de caixa bilhões de reais provenientes de uma grande parte da população servida por monopólios e oligopólios, com fraca regulamentação. Mas há os setores estratégicos como os citados acima (Telebrás à parte) que ou foram privatizados por razões ideológicas (Vale) ou foram privatizadas na margem (Petrobras).

No setor elétrico, não fora o racionamento de 2001, as grandes geradoras teriam sido privatizadas sem qualquer justificava estratégica, econômica ou moral. Se isso tivesse acontecido a presidenta Dilma não teria como implementar a recente redução das tarifas na ponta. Na área da Petrobrás, se o governo não tivesse preservado o controle do capital da empresa não poderia implementar um programa de investimentos no pré-sal vital para o desenvolvimento do país. É que os acionistas privados, apoiados pela grande mídia, querem lucros imediatos, não investimentos.

Acontece que uma segunda frente de ataque ao setor público, agora não apenas o setor público indireto mas também o direto, vem escalando no Brasil na forma de uma tentativa de desmonte da arrecadação tributária. São as campanhas contra os impostos lideradas pela Fiesp e federações do comércio sob o argumento de que o Brasil teria uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo. Isso é falso, como é falsa a ideia de que temos um elevado custo trabalhista – alegação de que se deveria envergonhar à vista dos salários médios brasileiros.

É falso também dizer que não temos uma estrutura de serviços públicos compatível com a carga tributária. Esse mantra tornou-se comum entre os próprios usuários ou beneficiários dos serviços públicos, como os mais de 28 milhões de aposentados e pensionistas, os mais de 300 milhões de usuários do SUS, os milhões de alunos e professores das redes públicas de educação, assim como de dezenas de outros serviços de massa atendidos pelo Estado. É claro que a qualidade ainda deixa a desejar. Contudo, ela não é tão ruim como mostra a TV em casos isolados.

Entretanto, a mídia enlouqueceu o Estado. Sob o ataque simultâneo do Sistema Globo e da Abril, que não se conformam por ter alguns interesses marginais atingidos na relação com o governo, o Estado nada explica e nada informa à população, talvez confiando na boa fé da grande mídia. Mais do que isso: ele capitula aos ataques, preparando, ele próprio, uma segunda onda de privatização. De fato, assim como fez com as tarifas públicas a partir dos anos 70, o Estado está reduzindo receitas públicas preparando o segundo passo inevitável da redução dos gastos.

Já defendi aqui as PPPs como instrumento de construção de grandes obras públicas no setor logístico. Contudo, PPP não pode resolver todo o problema logístico brasileiro: em muitas áreas é essencial o investimento a fundo perdido diretamente pelo Estado. Não obstante, o governo zerou a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que é o imposto vinculado a obras de logística. Isso tirou toda a segurança do setor de construção sobre um fluxo de caixa seguro para financiamento de obras rodoviárias e ferroviárias.

Mas há algo ainda pior: consciente ou inconscientemente, os órgãos de controle (TCU, Ministério Público, Ibama, arqueólogos, índios, quilombolas) estão destruindo a capacidade do Estado de realizar grandes obras públicas. Não que não deva haver controles; contudo, os controles devem seguir um protocolo mínimo de ação coordenada para não impedir as obras. É a existência desse emaranhado de controles que tem levado o governo optar pelas PPPs, que tem meios mais flexíveis de controlá-los do que os órgãos públicos.

Finalmente, convém examinar o papel da imprensa: Veja e Sistema Globo desfecharam uma violenta campanha contra a cúpula do Ministério dos Transportes há dois anos. O ministério, tendo Luís Antônio Pagot no Dnit, tinha passado de um orçamento ridículo em 2008 para R$ 18 bilhões realizados em 2009/10. Vieram então as denúncias: o realizado em 2011 passou a R$ 6 bilhões e, em 2012, a R$ 7 bilhões, tendo sido orçados, nos dois anos, R$ 16 bilhões. Em síntese, as denúncias derrubaram os orçamentos públicos numa área vital. Detalhe: até o momento as investigações não constaram qualquer irregularidade do Dnit na era Pagot.


J. Carlos de Assis é economista, professor de economia internacional da UEPB e autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” (ed. Civilização Brasileira).

FONTE: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6013&utm_source=emailmanager&utm_medium=email&utm_campaign=Boletim_Carta_Maior__19032013

Paraguai: falta de verba impede identificação de corpos de vítimas da ditadura

Há restos mortais de 20 pessoas que foram encontrados e aguardam para serem submetidos a exames de DNA
Assim como ocorre no Brasil, o Paraguai segue investigando crimes cometidos durante a sua ditadura militar, que teve duração de 35 anos (1954-1989) e foi presidida por Alfredo Stroessner. Os pesquisadores paraguaios, no entanto, esbarram na falta de verbas para a apresentação de resultados efetivos. No momento, há restos mortais de 20 pessoas que não foram identificadas devido ao embargo de 100% do orçamento destinado a essa finalidade.

Equipe Nacional de Buscas de Desaparecidos da Ditadura/Reprodução

Há 20 corpos que foram encontrados, mas sem terem sido submetidos à identificação por DNA


Rogelio Goiburú, membro da Equipe de Buscas de Desaparecidos da Ditadura, lamenta que os US$ 150 mil (cerca de R$ 298 mil) aprovados anteriormente tenham sido bloqueados por cortes no orçamento nacional. “Esses corpos encontrados seguem desaparecidos porque não têm uma identidade. E isso é culpa do Estado paraguaio, que tem uma dívida histórica com essas vítimas”.

Dos 20 corpos que aguardam identificação, 14 foram encontrados na área onde funcionava a Guarda de Segurança de Stroessner, em Assunção, que começou a ser investigada em 2009. Um dos corpos pode ser de Agustín Goiburú, desaparecido há 30 anos e pai do pesquisador Rogelio. “Tomara que seja meu pai. Uma das versões sobre o seu paradeiro corresponde ao lugar onde achamos os restos mortais.”

Os corpos encontrados na região da Guarda de Segurança apresentavam bom estado de conservação, segundo Rogelio. “Um deles está inclusive com calças e camisa listrada. Além disso, há muitos dentes. Mas só com o exame de DNA se pode ter 100% de certeza sobre a identidade”, afirmou o pesquisador. 

FONTE: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/27900/paraguai+falta+de+verba+impede+identificacao+de+corpos+de+vitimas+da+ditadura.shtml

"Julgar os genocidas abre caminho à verdadeira reconciliação", diz advogado de acusação do caso Ríos Montt

O ex-presidente responde pelos crimes de genocídio e de lesa-humanidade cometidos durante seu mandato (1982-83)
A história recente da Guatemala não deixa de gerar uma sensação de nó na garganta, devido ao limbo entre passado e futuro; entre a necessidade imperativa de seguir adiante e a lembrança de uma história de violência, repressão e violação sistemática de direitos humanos como política de Estado, que não pode, nem deve, ser esquecida.

Para o jurista Edgar Pérez, membro da Associação Justiça e Reconciliação e advogado das vítimas do grande conflito armado interno (1960-1996) que sofreram as atrocidades cometidas pelos governos ditatoriais e pelas juntas militares durante as décadas de 1970 e 1980, na Guatemala haverá uma verdadeira reconciliação “apenas e quando se julgarem os responsáveis por esses crimes”

Pérez disse em entrevista ao Opera Mundi que o julgamento contra o ex-presidente e general aposentado José Efraín Ríos Montt pelos crimes de genocídio e de lesa-humanidade cometidos durante seu mandato (1982-83) não apenas abre um precedente histórico, mas faz parte de uma estratégia muito mais ampla, iniciada depois da assinatura dos Acordos de Paz (1996). Estratégia que conquistou importantes resultados quanto ao combate à impunidade e à recuperação da memória histórica em um país que sofreu mais de 600 massacres, o assassinato e desaparecimento de mais de 200 mil pessoas e o deslocamento forçado de um milhão de gualtemaltecos.

Opera Mundi - Em que ponto está o julgamento do ex-presidente José Efraín Ríos Montt?
Edgar Pérez - No último dia 26 de janeiro, foi emitido um indiciamento por genocídio e crimes contra a humanidade. Agora estamos na fase de investigação do processo penal e, no dia 27 de março, o Ministério Público deverá apresentar seu ato conclusivo, isto é, seu informe sobre essa fase de investigação.

São crimes que, além de estarem regulamentados no Código Penal da Guatemala, têm respaldo internacional porque remetem à Convenção de Genebra e, como consequência, à toda a jurisprudência internacional sobre o Direito Humanitário Internacional. No entanto, tem sido um processo muito complicado.

OM - O que ocorreu nestes dois meses?
EP - A defesa do general aposentado Ríos Montt empreendeu uma série de ações e já expôs várias exceções e incidentes para garantir a ele a impunidade. Apresentaram um recurso de inconstitucionalidade dizendo que ele deveria ser julgado por um tribunal militar e tentaram aplicar a anistia de 1986, que era apenas para os responsáveis ou autores de crimes políticos, ou crimes comuns associados aos políticos.

Até a Lei de Reconciliação Nacional – aprovada logo depois dos Acordos de Paz – foi muito explícita ao dizer que a anistia não poderia ser aplicada a casos de genocídio, desaparecimentos forçados e tortura, tampouco para crimes que sejam imprescritíveis em conformidade com as convenções e tratados internacionais em matéria de direitos humanos.

Finalmente, conseguimos que o tribunal indeferisse todas essas tentativas da defesa para que o sistema judicial rompesse com os compromissos internacionais do Estado guatemalteco em matéria de direitos humanos.

OM - Como fundamentaram a acusação de genocídio?
EP - Quando falamos de genocídio, não entendemos com isso apenas a ação de matar, mas também a ideia intrínseca de destruir algo em sua essência, e o bem jurídico que se protegem são os grupos humanos, entre eles, os grupos étnicos.

No chamado triângulo ou área Ixil – constituído pelos municípios de Nebaj, San Juan Cotzal y San Gaspar Chajul, departamento de Quiché –, consideramos que existe evidência suficiente para sustentar que, durante o mandato de Ríos Montt, houve a intenção de destruir de forma parcial o grupo étnico Ixil. Temos registrados um mínimo de 11 massacres, 1.771 mortes, o desaparecimento forçado de, pelo menos, 29 mil pessoas nas chamadas Comunidades de População em Resistência (MPR) em Santa Clara, uma remota comunidade na Serra de Chamá, ao norte de Quiché.

Essas comunidades foram cercadas e o exército impediu a entrada de comida e elementos básicos, como água e medicamentos. No final, as pessoas foram submetidas a condições que puderam acarretar a morte de outros membros do grupo. Mesmo assim, o exército concentrou uma grande quandidade de pessoas em condições de campo de concentração nas chamadas Aldeias Modelo, e obrigou os cidadãos a integrarem as Patrulhas de Autodefesa Civil.

Durante o mandato de Ríos Montt, uma parte da população Ixil foi deslocada até a montanha, outra foi reconcentrada nas Aldeias Modelo e o terceiro grupo foi massacrado. Isso demonstra que sim, houve intenção de destruir esse grupo étnico.

OM - No entanto, o atual presidente Otto Pérez Molina declarou recentemente que na Guatemala nunca houve genocídio
EP - Ele é um ex-militar e esteve na área Ixil com a Força Tarefa Gumarcaj, que foi uma das forças tarefas responsáveis pelos crimes cometidos contra a população civil. Ao emitir uma opinião desse tipo, o presidente está cometendo uma irresponsabilidade, porque compete ao órgão judicial, depois de um julgamento, dizer se houve ou não genocídio. Essa atitude do presidente Pérez Molina gera pressão e coação sobre o sistema judicial do país.

Há circunstâncias que poderíamos qualificar como de pressão, como por exemplo questionar e recusar os juízes, obstruir e estender o processo. Nós respeitamos essa estratégia, porque a lei outorga a possibilidade de recorrer a qualquer ação e resolução que aconteça dentro do processo. O que não podemos aceitar é quando autoridades nacionais, como o Presidente da República ou o titular da Secretaria da Paz (Sepaz), proferem declarações que de fato formam uma pressão sobre o órgão judicial.

OM - Há setores da sociedade guatemalteca que estão interessados em criar pressão em cima desse julgamento?
EP - Claro que sim, e são os que, de alguma maneira, tiveram responsabilidades nos crimes cometidos durante o conflito armado interno. Nesse julgamento, é preciso estar ciente de uma coisa: nós  somos advogados daquela parte da população civil que não assumiu um papel de protagonista durante o conflito armado e que foi a que se viu como vítima. O presidente deveria estar trabalhando para que esses julgamentos garantam o devido processo, a independência judicial, que sejam justos e imparciais, e que impliquem a busca de verdade e justiça. Somente assim poderá haver reconciliação na Guatemala.

OM - O que esse julgamento simboliza para a Guatemala?
EP - Tudo isso vai mais além do julgamento de Ríos Montt e faz parte de um percurso ao lado das vítimas cujos sentimentos foram calados por décadas. Temos mais de 15 anos de trabalho e conseguimos resultados importantes quanto à possibilidade de julgar as estratégias das polícias militares daqueles anos.

Conseguimos duas sentenças pelo massacre de Río Negro (1982) no qual foram assassinadas 107 crianças e 70 mulheres, a condenação do comissionado militar do Quiché, Cándido Noriega, por seis homicídios e dois assassinatos, assim como a condenação a 6.060 anos para os responsáveis pelo massacre da comunidade Dos Erres, onde foram assassinadas 250 pessoas.

Também conquistamos a primeira condenação por desaparecimento forçado na Guatemala no caso da comunidade de Choatalum. Foi um caso histórico, porque a Corte de Constitucionalidade resolveu que enquanto não fosse conhecido o paradeiro da vítima, o crime de desaparecimento forçado não termina, pelo contrário, se continua cometendo dia após dia. Isso permitiu iniciar uma grande quantidade de julgamentos por desaparecimento forçado.

Paralelamente ao julgamento do general aposentado Ríos Montt, estamos levando adiante processos pelos mesmos crimes contra outras altas patentes do exército durante aqueles anos, como por exemplo os generais Oscar Humberto Mejía Victores, Hector Mario López Fuentes e José Mauricio Rodríguez Sánchez.  A partir desses resultados, as vítimas viram que existe a possibilidade de julgar os responsáveis pelos massacres, conseguindo que se reconheça a verdade, se faça justiça, se retifiquem suas histórias através do sistema judicial guatemalteco, e se abra um camino para a verdadeira reconciliação.

OM - o Sr. confia no sistema judicial guatemalteco?
EP - Não posso conduzir casos que não acredito que possam prosperar e, até o momento, os atuais membros da Suprema Corte de Justiça, e particularmente a Câmara Penal, têm demonstrado que têm uma cota de vontade política para fazer mudanças significativas no sistema judicial.

FONTE: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/20741/julgar+os+genocidas+abre+caminho+a+verdadeira+reconciliacao+diz+advogado+de+acusacao+do+caso+rios+montt+.shtml

Começa julgamento de ex-ditador guatemalteco por genocídio de indígenas

Efraín Ríos Montt, de 86 anos, é acusado de ser o responsável pela morte de milhares de índios da etnia ixil

Começou nesta terça-feira (19/03), na Cidade da Guatemala, o julgamento do ex-ditador guatemalteco Efraín Ríos Montt, de 86 anos. Primeiro chefe de Estado a ser julgado por crimes de lesa humanidade no país, ele é acusado de ser o responsável pelo genocídio de populações indígenas durante seu regime (1982-1983).
Efe

Ríos Montt será julgado pela execução de 1.771 indígenas maias ixiles no departamento de Quiché, norte da Guatemala

Havia o temor de que o julgamento de Ríos Montt fosse postergado, porém, recurso da defesa do ex-ditador foi rejeitado no início da audiência pela juíza do caso, Jazmín Barrios.

O ex-ditador será julgado pela execução de 1.771 indígenas maias ixiles no departamento de Quiché (norte) durante seu mandato, no momento mais violento da guerra civil de 36 anos (1960-1996), que deixou 200 mil mortos ou desaparecidos na Guatemala, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas).

No julgamento, que deve durar vários meses e ouvir 130 testemunhas e quase 100 peritos, também será acusado por genocídio o general da reserva José Rodríguez, de 68 anos.

A Promotoria sustenta que, enquanto esteve no poder, Ríos Montt esteve a par do que aconteceu com as populações indígenas e por isso é também responsável pelos massacres cometidos por seus subordinados. O promotor do caso, Orlando López, disse na abertura do julgamento que “eles [Ríos Montt e Rodríguez] tinham uma missão na luta contra a insurgência que incluía a etnia ixil”.
Efe

Familiares de vítimas da guerra civil guatemalteca esperam início de julgamento do ex-ditador Ríos Montt

O advogado das vítimas, Edgar Pérez, afirmou que espera que “através desse julgamento, as vítimas possam explicar a vocês [o tribunal] suas histórias, suas verdades que vêm carregando por mais de 30 anos, verdades que alguns hoje querem negar.”

A defesa, por sua vez, argumenta que Ríos Montt não é responsável pelos acontecimentos. “As evidências demonstram que, sim, aconteceram episódios graves, claro. O tema aqui é quem é responsável por eles. Nas audiências não houve um só fato relacionado a ele [Ríos Montt] diretamente”, disse o advogado de defesa, Francisco Palomo. O advogado das vítimas refutou as afirmações: “Obviamente, no mundo não há um só caso onde um genocida tenha autorizado nem a morte nem a tortura de alguém. Nem mesmo Adolf Hitler.”
FONTE:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/27899/comeca+julgamento+de+ex-ditador+guatemalteco+por+genocidio+de+indigenas+.shtml

Entrevista de Julian Assange com Noam Chomsky e Tariq Ali



[OFF] Eu sou Julian Assange. Editor do Wikileaks. Nós revelamos os segredos do
mundo. Esses documentos pertencem ao governo americano. Fomos atacados pelos
poderosos. Os Estados Unidos condenam fortemente... Ei, pare de fazer perguntas!
Ele infringiu a lei. Atirem ilegalmente no filho da... Há 500 dias eu estou detido sem
acusação, mas isso não nos deteve. Hoje estamos em busca de ideias
revolucionárias que podem mudar o mundo amanhã.
Durante os últimos dois anos, novas formas de revolução têm surgido. Hoje, eu
converso com dois gigantes da esquerda intelectual. Noam Chomsky, renomado
linguista e pensador rebelde. Tariq Ali, romancista de revoluções e historiador
militar.
Eu quero descobrir o que esses dois ativistas de peso pensam. Para onde o mundo
está indo? Para onde deveria ir?
JA
Noam, Tariq. Os anos de 2011 e 2012 têm sido históricos para os movimentos de
libertação em muitos lugares ao redor do mundo. Vocês previram isso?
TA
Eu não previ. Acho que a maioria das pessoas não previu. Mas o que é interessante
é que essas revoltas árabes acontecem em uma parte do mundo sobre a qual os
comentaristas diziam “as pessoas não estão interessadas em democracia, os
muçulmanos são geneticamente hostis à democracia.” E aí houve essas revoltas e
elas se espalharam, porque foi a ocupação da Praça Tahrir no Cairo que inspirou
ativistas ao redor dos Estados Unidos, até na Rússia. Quem iria esperar que esses
movimentos, de repente, fossem surgir na Rússia e desafiar as autoridades? A
Primavera Árabe tem sido contagiante e ainda continua de diferentes maneiras.
JA
Noam Chomsky.
NC
Não, eu não posso dizer que eu previ isso. Eu presumi que cedo ou tarde teria de
acontecer uma reação popular à amarga guerra de classes que foi travada pela
geração passada, e uma guerra de classes bastante consciente, pelos empresários, que são sempre muito conscientes de seus interesses... Sentiram realmente que
estavam em seu papel. Nos Estados Unidos, por exemplo... Bem, nós conhecemos os
fatos, durante a geração passada a riqueza foi criada, mas foi para pouquíssimos
bolsos. Agora, a extrema desigualdade dos Estados Unidos é carregada por
literalmente um décimo da população, principalmente os diretores de hedge funds,
os presidentes das grandes empresas e assim por diante. Nós estamos falando dos
Estados Unidos, mas o fenômeno é global. Vamos dizer, o Egito, um dos lugares
mais interessantes. O movimento que começou com as manifestações na Praça
Tahrir um ano atrás é chamado de Movimento 6 de Abril. Existe um motivo. 6 de
abril de 2008 foi o dia de protestos trabalhistas de larga escala nas grandes
instalações industriais no Egito, apoiando as manifestações e assim por diante.
Tinha um pequeno grupo de profissionais com experiência em tecnologia que
tentou... Que queria participar e ajudá-los com as mídias sociais. Os protestos
foram esmagados pela ditadura, mas o grupo de profissionais é o Movimento 6 de
Abril, eles mantiveram o nome. Essa é a indicação do quanto esses protestos estão
profundamente enraizados... Sim, teve pessoas prontas... Muita gente... Para muitos
foi só um momento de... Uma abertura na qual nós poderíamos fazer algo, de algum
jeito. Mas teve muita preparação para isso, e algo similar na Tunísia. Você
perguntou se eu previ isso. Não, eu não previ. Mas agora está acontecendo ao redor
do mundo todo, de um jeito ou de outro.
JA
Tariq?
TA
Acho que Noam está certo e acho que, em essência, o que temos testemunhado,
junto com a economia neoliberal, é a redução da política no sentido que eu tenho
discutido já há algum tempo, de que o que temos na política ocidental não é a
extrema esquerda e nem a extrema direita mas um extremo centro. E esse extremo
centro engloba tanto a centro-direita quanto a centro-esquerda, que concordam
em fundamentos: travando guerras no exterior, ocupando países e punindo os
pobres, punindo por meio de medidas de austeridade. Não importa qual o partido
no poder, seja nos Estados Unidos ou no mundo ocidental... As coisas, sabe,
continuam como antes. Existe uma continuidade de um regime para outro que
afeta o funcionamento da mídia, que se tornou cada vez mais limitada. Há pouca
diversidade, pouquíssimos debates construídos dentro da mídia. E essa é uma
grande característica agora, é uma forma... É uma ditadura do capital que é
exercida por esse extremo centro. Os países árabes tiveram ditadores apoiados
pelo Ocidente por algum tempo, e a velocidade e a escala dessas revoltas
certamente surpreendeu a todos. Nenhum de nós poderia ter previsto isso.
JAVocê acha que a falta de previsibilidade na verdade é parte do motivo deles terem
conseguido sucesso?
TA
Sem dúvida.
JA
Se elas pudessem ser previstas, poderia se haver criado mecanismos para impedir
que acontecessem?
TA
Sim. E mecanismos bem extremos. Eles teriam tentado prender pessoas, esmagar
pessoas, torturar pessoas, prender ativistas, mas ficou fora de controle muito
rapidamente e os Estados Unidos e a França não poderiam controlar isso na
Tunísia e no Egito, por exemplo. Quer dizer, foram surpreendidos também. Só se
juntaram para agir para tentar subverter o processo quando fizeram o bombardeio
de seis meses na Líbia pela OTAN. Para que eles pudessem ter algum controle
sobre o mundo árabe de novo. Mas é ainda incrivelmente inconstante e, sabe,
algumas vezes as pessoas falam "mas nada mudou muito". Isso é verdade. Mas uma
coisa que mudou é que as pessoas, as massas, perceberam que para fazer a
mudança elas precisam se mexer e se tornar ativas. E essa é uma grande lição das
revoltas.
JA
Eu quero considerar se realmente existem opções. É ilusório pensar que há opções
ou os novos regimes têm que lidar com a situação ao redor deles, as básicas
restrições em lidar com outras nações? Você, por exemplo, sabendo que Cuba está
a 145 km de Miami, a 145 km de uma superpotência agressiva, que está
transmitindo propaganda em Cuba, estabeleceria a censura? Você introduziria uma
política de Estado para prevenir a destituição da independência de Cuba? Porque
parece para mim que essas são as questões que vão ter de ser enfrentadas pelas
nações que estão lutando, não somente para derrubar seus governantes, mas para
se tornarem independentes dos poderes do Ocidente.
NC
Bem, o caso de Cuba é muito especial. Então eu não... Quero dizer, até certo ponto,
esse caso tem as mesmas características de outros países pequenos, mas é um caso
único. Por 50 anos os Estados Unidos tem se dedicado a estrangular e esmagar
Cuba. E o conselheiro de Kennedy para a América Latina disse: "O problema é a
ideia de Castro de tomar as coisas pelas próprias mãos, o que pode levar outros,
em circunstâncias similares, a tentar seguir esse caminho e assim, em breve, todo o
sistema de controle dos EUA vai erodir." Então, por essas razões, que persistem, os Estados Unidos continuou com uma enorme campanha do terror. Cuba tem sido
vítima de mais terrorismo que, provavelmente, o mundo todo junto, terrorismo
internacional. E, além disso, estrangulação econômica, de uma forma
extraordinária. Se você é uma população que quer ser independente, que quer ser
um Estado independente - nós podemos falar sobre outras formas de
independência mais tarde - mas um Estado independente que desafie a OTAN, ou
se você está perto da China, em desafio com a China, ou a Rússia para algumas das
ex-repúblicas soviéticas... Então passa a ter um custo. No caso de Cuba, talvez o
custo seja estar em um estado de guerra. Você olha ao redor do mundo e há
problemas similares, mas não tão terríveis quanto os que Cuba enfrenta. Vá um
pouco mais para o sul, na América do Sul. Um dos mais dramáticos e importantes
desenvolvimentos da última década é o da América do Sul. Pela primeira vez desde
que os colonizadores europeus chegaram lá, pela primeira vez em 500 anos, a
América do Sul fez um movimento muito significativo para sua independência,
para sua integração. Não existe mais nenhuma base militar americana na América
do Sul, o que é bastante notável.
JA
O que você acha, Tariq?
TA
Bem, eu acho que no decorrer das últimas décadas as mudanças mais importantes
que temos visto vêm da América do Sul. Eu visitei a Venezuela, a Bolívia, o Brasil...
e o clima é simplesmente outro. Muitas pessoas dizem: "É a primeira vez que nós
nos sentimos realmente independentes". Qualquer que seja a fraqueza desses
regimes - e existem algumas - eles são Estados soberanos e agem como tal. E
quando Chavez, por exemplo, diz algo aos Estados Unidos, ele é muito franco e
aberto sobre isso. Ele me disse uma vez: "Eu fiz um discurso na ONU e muitos
outros países que não podem falar aquilo em público vieram até mim e me
parabenizaram. Disseram: 'obrigado, você está falando por todos nós'". E ele disse:
"Eu disse a eles: 'mas vocês podem falar também. Ninguém pode impedi-los'", mas,
sabe, a...
JA
Bom, obviamente eles acham que não podem falar.
TA
Eles acham que não podem. Esse agora é um modelo na maior parte da América do
Sul, com exceção da Colômbia, México e o Chile, parcialmente. Em qualquer outro
lugar, as pessoas estão sentindo que são independentes pela primeira vez na
história. Eu acho que isso vai ser um problema enorme para os Estados Unidos.
Eles estão obcecados com o mundo árabe e com a China, e agora com o Irã, mas na América do Sul, por uma década ou pouco mais, os Estados Unidos não estão no
controle.
NC
Isso os preocupa demais. Na verdade, o Conselho de Segurança Nacional, uma
organização de planejamento de elite, avisou que se o Estados Unidos não
controlassem a América Latina, como eles iriam impor uma ordem bem-sucedida
para o resto do mundo? Querendo dizer comandar o resto do mundo. Então, "se
não conseguimos controlar nem o nosso quintal, como vamos controlar o resto?"
Agora, existe uma questão mais profunda. Indo para o Oriente Médio: a maior
preocupação dos Estados Unidos e de outras potências imperiais tradicionais -
Reino Unido e França, particularmente -, a preocupação é de que agora eles
possam... Que o Oriente Médio fique fora de controle. E isso é sério, muito mais
sério do que a América do Sul.
TA
Eu concordo. É por isso que eles invadiram a Líbia, Noam, eu não tenho dúvida. Foi
para reestabelecer o controle.
NC
Eu concordo, mas acho que isso está em todos os lugares. Por exemplo, se você for
olhar o que aconteceu na Primavera Árabe, os países que são cruciais para o poder
imperial do Ocidente - os produtores de petróleo - foram colocados sob uma mão
muito forte. Na Arábia Saudita, no Kuwait, nos Emirados Árabes, as regiões que
mais produzem petróleo, a Primavera Árabe nunca saiu do papel. A intimidação
das forças de segurança, apoiada pelo Ocidente, foi tão enorme que as pessoas
estavam literalmente com medo de sair nas ruas em Riyadh. O Ocidente -
principalmente a França na Tunísia e os Estados Unidos e o Reino Unido no Egito -
estão seguindo um padrão bastante tradicional. Existe uma cartilha que você
obedece e te dá um tipo de plano de jogo quando alguns dos seus ditadores
favoritos perdem a capacidade de governar, o que você faz é apoiá-los até o último
minuto possível. Quando já não é mais possível – talvez o Exército se volte contra
eles – você faz com que sua classe intelectual comece a emitir declarações sobre
democracia, e então você tenta recuperar o velho sistema, o quanto for possível –
como foi feito com Samosa, Marcos, Duvalier, Mobutu, Suharto. Quer dizer, é uma
rotina. Não precisa ser um gênio para ver isso.
TA
Mas eu acho que o problema real, Julian, é que a democracia em si está em um
grande problema, por causa das corporações. Quando você tem dois países
europeus, quando você tem a Grécia e a Itália, os políticos abdicando e dizendo
"deixem os banqueiros comandar"... Quer dizer, para onde isso está indo? O que nós estamos testemunhando é que a democracia está se tornando cada vez mais
despida de conteúdo. É como uma concha vazia, e é isso que está revoltando a
juventude, ela sente que faça o que fizer, vote em quem votar, nada vai mudar. Daí
todos esses protestos.
JA
E você acha que esse problema é a mídia, é estrutural, é o aumento da capacidade
do centro controlar a periferia, como resultado de telecomunicações mais
sofisticadas? O que está causando isso?
TA
O que está causando isso... A democracia que se tornou petrificada. Mas a mídia
tem se tornado um pilar central do sistema, muito mais agora do que na Guerra
Fria. Naquela época, eles estavam provando aos russos e aos chineses que "nosso
sistema é melhor que o de vocês". Agora eles não sentem que têm de provar nada,
então podem agir como quiserem, ponto final.
JA
Eles estavam usando a liberdade de expressão como um porrete para bater na
União Soviética e agora não há necessidade disso. Eu acho... Você teve esse tipo de
aliança entre liberais e militares e a elite no Ocidente, todos se juntando por
interesses em comum para mostrar a superioridade do Ocidente se comparado aos
soviéticos. Esse tipo de aliança muito artificial agora está rompida.
TA
a) está rompida, e b) dentro do mundo ocidental eles agora têm as coisas sob
controle a tal ponto que eles literalmente conseguem sair impunes de assassinatos.
Quer dizer, Obama assinou uma lei agora segundo a qual o presidente americano
tem o direito de autorizar a morte de um cidadão americano sem qualquer recurso
à lei. Sem o devido processo legal, o que nenhum outro presidente na história dos
EUA tinha feito... Mesmo durante a Guerra Civil, as pessoas que tentaram matar
Lincoln, ou que mataram Lincoln, os conspiradores, foram julgados em um
tribunal, por mais criminosos que fossem. Mas não mais - agora você pode ordenar
a morte de alguém. E esse ataque às liberdades civis é, claro, extremamente
perturbador porque realmente afeta a democracia.
JA
Você acha que esses movimentos sociais que estão acontecendo na América
Latina... Se você olhar para o tipo de avanço tecnológico na América Latina, é algo
como aconteceu nos EUA nos anos 70... A interação política e social que acontece nesses Estados é resultado das interações tecnológicas que estão acontecendo?
Então, talvez seja simplesmente impossível para um país mais industrializado
adotar o modelo de um país menos industrializado... Nós teríamos que nos livrar
da industrialização para fazê-lo?
TA
Eu acho que não. A maior parte desses Estados ocidentais ficaram muito felizes em
se tornarem desindustrializados e fazer da China a potência econômica dominante
no mundo, como os britânicos eram no século 19. Quer dizer, a China é a fábrica do
mundo... Houve um grande aumento... A atual força de trabalho, embora em
declínio no Ocidente, triplicou de um bilhão nos anos 70 e 80 para mais de três
bilhões hoje, por causa do que está acontecendo na China, Índia e em partes da
América do Sul. Então acho que as chamadas potências avançadas têm muito a
aprender com as coisas boas que têm acontecido na América do Sul, por que não?
JA
Noam, existe um modelo? Um modelo de funcionamento prático?
NC
Bem, eu acho que... Eu concordo com Tariq - existem muitos modelos - mas o... Eu
não acho que as potências populares preocupadas em mudar suas próprias
sociedades deveriam procurar modelos. Eu acho que elas deveriam criar os
modelos. E é exatamente isso que está acontecendo. Então os modelos na América
do Sul, vamos dizer, progrediram bastante. Eles estão desenvolvendo modelos na
Bolívia, que você mencionou algumas vezes. Uma das coisas mais marcantes que
aconteceu lá foi que a parte mais reprimida da população naquele hemisfério, a
população indígena, chegou à arena política. Na verdade, ela chegou ao poder
político e está lutando pelas suas próprias questões. Isso também está acontecendo
no Equador e, em certo nível, no Peru. Bem, eles estão desenvolvendo modelos
novos e significativos e é melhor o Ocidente captar rápido alguns aspectos desses
modelos, ou então ele irá ser derrubado e vai se acabar.
JA
Nós sempre tivemos a máxima de que "capitalismo e democracia andam juntos", e
a China parece ser um ótimo exemplo de maior eficiência em ser um Estado
capitalista do que um Estado democrático.
TA
Bem, eu nunca acreditei que o capitalismo e a democracia andassem juntos. Os
chineses mostram que hoje o país capitalista mais bem sucedido no mundo não tem um pingo de democracia no seu funcionamento. Mas até historicamente,
durante centenas de anos de existência do capitalismo, ele funcionou sem a
democracia até o começo do século 20. Quer dizer, as mulheres só puderam votar
depois da Primeira Guerra Mundial. Então o que combina perfeitamente com o
capitalismo é uma não-democracia ou uma democracia truncada. E essa noção de
que capitalismo e democracia estão juntos foi uma construção da Guerra Fria feita
para esmagar os russos, os europeus do leste e os chineses. Não tem base em fatos
históricos.
JA
Noam?
NC
Primeiro de tudo, nós não temos sociedades capitalistas, nós temos uma ou outra
variedade de capitalismo de Estado, e isso é verdade onde quer que o sistema
industrial funcione. Então, por exemplo, nos EUA o papel do Estado na economia é
enorme. Quer dizer, vamos pegar o que nós três estamos fazendo agora. Isso é
baseado na revolução tecnológica... Computadores, internet, satélites, microeletrônica e assim por diante... Agora, a maior parte disso tudo foi desenvolvida no
setor estatal. Na verdade, exatamente onde eu estou sentado, no MIT. Foi um dos
lugares onde essas coisas foram desenvolvidas nos anos 50 e 60, a maior parte sob
o financiamento do Pentágono. Houve financiamento, subsídio, invenção, criação,
também aquisição... Por décadas. Isso no setor estatal antes de serem transferidos
para o capital privado para comercialização e lucro. E se nós voltarmos...
JA
Esse progresso tecnológico... Na década de 30 - a partir da literatura daquela época
- você via muito os soviéticos falando sobre como o sistema deles era
simplesmente mais eficiente, e, portanto, como um sistema industrial eficiente, ele
iria predominar. Você também via os nazistas falando precisamente nos mesmos
termos, de que esse investimento massivo em tecnologia estava produzindo uma
indústria eficiente e iria simplesmente dominar outras forças ao redor. Essa não é
uma restrição ideológica básica? A de que independentemente do sistema que você
queira, que as pessoas queiram... Talvez um dia todos nós sejamos bons com os
outros, pra variar. Algo muito, muito básico... Simples decência humana. Mas se
esse sistema não for eficiente em relação a outro sistema, o outro sistema irá
simplesmente crescer em escala até que predomine...?
TA
Bem, eu... Ele irá, mas somente se crescer militarmente. Veja, os Estados Unidos é
fraco economicamente no momento atual... Está com uma dívida enorme, como
Noam ressaltou. É uma crise estrutural real, mas ele é bastante dominante militarmente, e usa seu poderio militar para dominar outras partes do mundo, que
podem estar indo bem economicamente, mas que não têm esse poder. Esse é o
problema que enfrentamos.
JA
Então, esse conflito é entre... O desejo de fazer alguma coisa por razões ideológicas
e uma espécie de realidade prática em que, digamos, o capitalismo totalitário pode
ser simplesmente o sistema mais eficiente e, portanto, irá predominar.
NC
Não é um sistema eficiente. Dê uma olhada na China. O crescimento da China tem
sido espetacular, mas... A China tem crescido em grande parte como uma fábrica de
montagem. Ela é principalmente a fábrica de montagem para países de indústria
avançada que estão em sua periferia: Japão, Taiwan, Coreia do Sul. Então, tomando
como exemplo, vamos dizer, a Foxconn, uma fábrica enorme e horrível na China
onde as condições de trabalho são grotescas. É uma fábrica de propriedade de
Taiwan e produz computadores Apple, iPods, computadores Dell... O que tem
acontecido nos últimos anos é que a China tem sido a linha de montagem para os
países avançados do Estado capitalista industrial na sua periferia, e para
multinacionais ocidentais. Agora é claro, mais cedo ou mais tarde, a China vai
começar a subir na escala tecnológica. Na verdade, em alguns aspectos, isso já está
acontecendo. #A China, na verdade, começou a inovar com a tecnologia de energia
solar que supera outra em qualquer lugar. E isso vai começar a acontecer em todo
o lugar, mas é um processo longo e lento.
JA
Tariq, tanto você quanto Noam têm uma vida longa como ativistas. Quando você
olha para essa geração de ativistas de agora, no Ocidente, que está apenas
começando a ser politicamente radical, penso que "juventude radical na internet" é
provavelmente a melhor maneira que vejo de descrevê-los... O que vocês querem
dizer a eles? Que experiência vocês tiveram durante essas múltiplas batalhas
durante tantos anos que podem passar para eles? Porque me parece que houve um
momento, nos anos 80 e 90, em que não havia uma continuidade dessa tradição de
dissidentes no Ocidente. Tariq?
TA
Eu tento evitar dar conselhos para gerações mais novas porque gerações são tão
diferentes umas das outras, e considerando que o mundo tem mudado tanto, o
único conselho universal a ser dado é: não desistam. Você vive por momentos
ruins e sente que tudo está perdido, e muitas pessoas se tornam passivas, mas a passividade geralmente leva ao desespero. E eu acho que é extremamente
importante para os jovens crescendo hoje que eles percebam a necessidade de
serem ativos. E atividade é algo que leva à esperança, e a não ser que eles sejam
ativos, ninguém vai dar nada de mão beijada. Essa é a lição dos últimos anos dessa
nova radicalização. Não desistam. Tenham esperança. Permaneçam céticos. Sejam
críticos com o sistema que tem nos dominado. E mais cedo ou mais tarde, se não
essa geração, então nas próximas, as coisas vão mudar.
JA
Noam?
NC
Bem, muitas coisas mudaram durante os anos. Muitas mudaram para melhor,
mudaram porque muitas pessoas dedicadas se comprometeram com isso. E a
história não acabou. Existem mudanças pela frente e nós podemos fazer algo com
elas. E, na verdade, existem muitos problemas sérios. Por exemplo, se as coisas
seguirem no curso atual, nós provavelmente vamos encarar a destruição da
possibilidade de qualquer sobrevivência decente, simplesmente por causa de
coisas como o uso de combustíveis fósseis. Agora, essa é uma questão
extremamente séria, é como os lemingues se atirando do precipício, como um
suicídio coletivo.
Tradução e legendas: Jessica Mota
Agência Pública - apublica.org