quarta-feira, 5 de março de 2014

Meios e fins - teto constitucional: a verdade

Para ministro do STF, apesar do desprezo à Carta Federal, a questão dos supersalarios deve ser analisada sem paixões
Marco Aurélio Mello - 28/02/2014 - 17h16

A regra é clara: ninguém pode ganhar, no serviço público, mais do que o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A abrangência do teto constitucional alcança remuneração - gênero: subsídio, proventos, pensões e outras espécies remuneratórias dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive dos detentores de mandato eletivo e demais agentes políticos, percebidos isolada ou cumulativamente.
Em outras palavras, observado o tratamento igualitário, o teto impõe-se a todos.
Mas nada é tão simples como parece. A astúcia do homem e o abandono da ética implicam vergonhoso drible. As formas vão do empréstimo da natureza indenizatória a certas parcelas, ao desdobramento do contracheque, que, de mensal, vejam a criatividade, passa a quinzenal.
Então, com desprezo total à Lei das leis, à Carta Federal, revela-se o país do faz de conta. A situação, pasmem, mostra-se hoje generalizada.
O Supremo é o guarda maior da Constituição e esta, presente o Estado de Direito, encerra um grande todo que tem como medula a velha máxima - os meios justificam os fins, e não estes, aqueles, sob pena de, acionado o justiçamento, haver retrocesso e não avanço cultural.
A momentos a matéria dos supersalários praticados, à larga, nas duas Casas do Congresso deve ser analisada sem paixões. Nas auditorias no Tribunal de Contas da União, os beneficiários não tiveram espaço para defenderem-se. Os pronunciamentos sinalizaram que Câmara dos Deputados e Senado viabilizariam a audição, cumprindo-se o mandamento constitucional: o detentor de situação constituída possui o direito ao devido processo administrativo. Essa é a regra inafastável, pouco importando a clareza, aparente e unilateral, do quadro.
O desgaste das Casas Legislativas é notório. No afã de recuperar prestigio, em menosprezo a comezinha regra do contraditório, atropelou-se, dando-se esperança vã, infrutífera, portanto, à cansada sociedade.Sob o ângulo do direito de defesa, a questão chegou à última trincheira da cidadania, onde não cabe visão passional, extremada.
Ao deferir, em mandados de segurança, as liminares, consignei que o fazia sem prejuízo da instauração dos processos administrativos, sumários e individuais. Verificada, na seara própria, a ilegitimidade de pagamentos, por sinal, satisfeitos há anos, aí sim, a suspensão imediata será de ocorrência natural e, mais, a devolução do que recebido nos últimos cinco anos, procedendo-se aos descontos nos vencimentos, proventos e pensões, obedecido o limite mensal, tudo conforme previsto na Lei nº 8.112/1990. Como dizer do prejuízo ao poder publico? A relação jurídica continuada possibilita os descontos.
Paga-se um preço por viver em uma democracia e é módico, estando ao alcance de todos: o respeito irrestrito ao arcabouço normativo, as leis. Fora isso, instaura-se a desordem, a afronta à Constituição Federal.
Conserte-se o Brasil, afastando-se as mazelas que o emperram, mas não se jogue para a plateia, muito menos adjetivando a visão do Supremo.
A absurdez tem outro endereço.
Marco Aurélio Mello é ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral

fonte:http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/artigos/69439/meios+e+fins+-+teto+constitucional+a+verdade.shtml

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