
Chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, responde ex-presidente FHC, que ontem, em artigo, bateu duro na política externa desde o governo Lula; o tucano criticou a gestão petista por “se calar diante de manifestações antidemocráticas quando elas ocorrem nos países de influência bolivariana”; segundo o chanceler, o Brasil defende diálogo com a oposição e os manifestantes na Venezuela, mas diz que o presidente Maduro não precisa de recados sobre como lidar com a crise politica
3 DE MARÇO DE 2014 ÀS 06:23
247 – Em resposta às duras críticas do ex-presidente FHC sobre a política externa da gestão petista, o chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, defendeu a posição brasileira sobre a crise na Venezuela: “Muitas coisas se obtêm em diplomacia sem que elas cheguem a público, até porque, se chegarem, não terão resultado”.
Em artigo, o ex-presidente tucano criticou a "diplomacia inerte do Brasil desde o governo Lula e o erro estratégico na avaliação das forças que predominariam no mundo". Além disso, acusou o país de se encolher enquanto apoia o governo venezuelano, “sem qualquer ressalva às mortes, aprisionamento de oposicionistas e cortinas de fumaça que querem fazer crer que o perigo vem de fora e não das péssimas condições em que vive o povo venezuelano” (leia mais abaixo).
"QUE A CRISE NA VENEZUELA NOS DESPERTE DA LETARGIA"
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso critica a "diplomacia inerte do Brasil desde o governo Lula e o erro estratégico na avaliação das forças que predominariam no mundo"; segundo o tucano, menosprezamos os atores que estão saindo da crise como principais condutores da agenda global e perdemos liderança na América Latina, enquanto o Arco do Pacífico se consolida
2 DE MARÇO DE 2014 ÀS 06:07
247 – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não vê motivos para cair na folia do carnaval. Segundo ele, o cenário não encoraja alegrias duráveis.
O clima de quarta-feira de cinzas antecipado se deve, de acordo com o tucano, a uma sequência de erros estratégicos da diplomacia brasileira desde o governo Lula. “Escolhemos parceiros errados; perdemos liderança na América Latina; no outro polo, se consolida o Arco do Pacífico, englobando Chile, Peru, Colômbia e México e nós ficamos encurralados no Mercosul”, diz. Para ele, na crise da Venezuela, é incrível a timidez de nosso governo em fazer o que deve: “não digo apoiar este ou aquele lado em que o país rachou, mas pelo menos agir como pacificador, restabelecendo o diálogo entre as partes, salvaguardando os direitos humanos e a cidadania”.
Leia o artigo:
Domingo de carnaval, convenhamos, não é o melhor dia para ler artigo sobre política internacional. Mas que fazer? Coincidiu que o dia de minha coluna fosse hoje e não tenho jeito nem vontade de escrever sobre as alegrias de Momo. Por mais que nos anestesiemos no carnaval, o meio circundante não alenta alegrias duráveis.
Comecemos do princípio. Acho que houve um erro estratégico desde o governo Lula na avaliação das forças que predominariam no mundo e da posição do Brasil na ordem internacional que se transformava. Não me refiro ao que eu gostaria que ocorresse, mas às tendências que objetivamente se foram configurando. Nossa diplomacia guiou-se pela convicção de que um novo mundo estava nascendo e levou o presidente, em sua natural busca de protagonismo, a ser o arauto dos novos tempos. A convicção implícita era a de que pós-Muro de Berlim, depois de breve período de quase hegemonia dos Estados Unidos, pregada pelos seus teóricos do neoconservadorismo, e da coorte de equívocos da política externa daquele país (invasão do Iraque, do Afeganistão, isolamento da Rússia, apoio acrítico a Israel em sua política de assentamentos de colonos etc.) e dos desastres provocados por estas atitudes, assistiríamos a uma correção de rumos.
De fato, houve essa correção de rumos, mas a direção esperada pela cúpula da diplomacia brasileira e por setores políticos sob influência de alas antiamericanas do PT era a do “declínio do Ocidente”, com a perda relativa do protagonismo americano e a emergência das forças novas: a China (o que ocorreu), o mundo árabe, em especial os países petroleiros, a África e, naturalmente, a América Latina, como parte deste “terceiro mundo” renascido. Essa visão encontra raízes em nossa cultura diplomática desde os tempos da “política externa independente”, de Jânio Quadros, e encontra eco nos sentimentos de boa parte dos brasileiros, inclusive de quem escreve este artigo. Sempre sonhamos com um mundo multipolar no qual “os grandes” tivessem que compartilhar poder e nós, brasileiros, pouco a pouco nos tornássemos parceiros legítimos do grande jogo de poder global.
Contudo, uma coisa é desejar um objetivo, outra é analisar as condições de sua possibilidade e atuar para que, dentro do possível, buscando ampliar seus limites, nos aproximemos do que consideramos o ideal. Nisso é que o governo Lula calculou mal. Se a Europa, sobretudo depois da crise financeira de 2008, perdeu tempo em tomar decisões e está até hoje embrulhada na indefinição sobre até que ponto precisará integrar-se mais (compatibilizando as políticas monetárias com as fiscais), ou voltar, na linguagem de De Gaulle, a ser a “Europa das Pátrias”, nem a China se perdeu nos devaneios maoístas, nem os Estados Unidos no neoconservadorismo que acreditava que a América poderia agir como se fosse uma hiperpotência. Pelo contrário, a China lançou-se às reformas para inverter o polo investimento/consumo, diminuindo aquele e aumentando este, e os americanos deixaram de lado a ortodoxia monetarista, recalibraram a sua política externa e se jogaram à inovação das fontes de energia. Hoje propõem uma coexistência competitiva, mas pacífica com a China, baseada no comércio, e lançam cordas para que a Europa saia do marasmo e se incorpore aos Estados Unidos, que funcionariam como dobradiça entre a China e a Europa, formando um formidável tripé.
Enquanto isso, o Brasil faz reuniões com países árabes, que não deixam de ter sua importância, propõe negociações sobre o Irã em coordenação com a Turquia (imagine-se se os turcos fariam o mesmo, propondo-se a ajudar o Brasil para resolver o litígio das papeleiras entre Uruguai e Argentina...), abre embaixadas nas mais remotas ilhas para, com o voto de países sem peso na mesa das negociações, chegar ao Conselho de Segurança. Por outro lado, compor¬ta-se¬ timidamente quando a Petrobras é expropriada pela Bolívia, interfere contra o sentimento popular em Honduras, se abstém de entrar em bolas divididas, como no conflito argentino-uru-guaio, além de calar diante de manifestações antidemocráticas quando elas ocorrem nos países de influência “bolivariana”.
Noutros termos: escolhemos parceiros errados, embora, em si mesma a relação Sul/Sul seja desejável, e menosprezamos os atores que estão saindo da crise como principais condutores da agenda global, exceção parcial feita à China (neste caso, não há menosprezo, mas falta de estratégia). Perdemos liderança na América Latina, hoje atravessada pela cunha bolivariana que parte da Venezuela com apoio de Cuba, estende-se acima até a Nicarágua, passa pelo Equador, abaixo, desce direto à Bolívia e chega à Argentina. No outro polo, se consolida o Arco do Pacífico, englobando Chile, Peru, Colômbia e México e nós ficamos encurralados no Mercosul, sem acordos comerciais bilaterais e, pior, calados diante de tendências antidemocráticas que surgem aqui e ali.
Ainda agora, na crise da Venezuela, é incrível a timidez de nosso governo em fazer o que deve: não digo apoiar este ou aquele lado em que o país rachou, mas pelo menos agir como pacificador, restabelecendo o diálogo entre as partes, salvaguardando os direitos humanos e a cidadania. O Mercosul, desabridamente se põe do lado do governo de Maduro. O Brasil, timidamente, se encolhe enquanto o partido da presidente apoia o governo venezuelano, sem qualquer ressalva às mortes, aprisionamento de oposicionistas e cortinas de fumaça que querem fazer crer que o perigo vem de fora e não das péssimas condições em que vive o povo venezuelano.
Agindo assim, como esperar que, chegada a hora, a comunidade internacional reconheça os direitos que cremos ter (e de fato poderíamos ter) de tomar assento nas grandes decisões mundiais? Fomos incapazes de agir, ficamos paralisados em nossa área de influência direta. A continuar assim, que contribuição daremos a uma nova ordem global? Chegou a hora de corrigir o rumo. Que a crise venezuelana nos desperte da letargia.
O chanceler rebate dizendo que o Brasil é sim a favor do diálogo entre o presidente Nicolás Maduro, a oposição e os manifestantes na Venezuela. No entanto, afirma que não estamos mudos diante do país e que Maduro não precisa de recados sobre como lidar com a crise política.
Ele afirma que a nota do Mercosul sobre a questão foi mal compreendida e ressalta trecho que diz que os países "repudiam todo tipo de violência e intolerância [...], qualquer que seja a origem". “Ninguém diz que há uma culpa específica. Aliás, nós lemos que agentes do Estado estão sendo presos na Venezuela, acusados de mortes de manifestantes”, diz.
Sobre o impasse na Ucrânia, ele diz que não pode especular, mas sugere compreensão ao envolvimento da Rússia - lembrou que o país de Vladimir Putin foi decisivo no desarmamento químico da Síria e na intervenção contra uma intervenção armada: “A Ucrânia era parte da União Soviética, a Rússia tem a base naval de Sebastopol, na Crimeia, e a Ucrânia tem uma importante população de origem étnica russa, que ainda hoje fala russo”.
fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/132014/O-Brasil-n%C3%A3o-est%C3%A1-mudo-diante-da-Venezuela.htm
Leia aqui a entrevista de chanceler à Folha de S. Paulo.
ENTREVISTA DA 2ª - LUIZ ALBERTO FIGUEIREDO
Defendemos diálogo com os opositores na Venezuela
CHANCELER BRASILEIRO AFIRMA, PORÉM, QUE O PRESIDENTE NICOLÁS MADURO 'NÃO PRECISA DE RECADOS' SOBRE COMO LIDAR COM CRISE POLÍTICAELIANE CANTANHÊDECOLUNISTA DA FOLHAO chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, defendeu que o presidente Nicolás Maduro abra o diálogo com a oposição e os manifestantes na Venezuela, onde protestos já deixaram 18 mortos.
"O presidente Maduro não precisa de recados", ressalvou Figueiredo, justamente quando mandava dois recados incluídos com excesso de cuidado na nota do Mercosul: o do diálogo e o da condenação à violência "de onde quer que venha" --ou seja, inclusive do governo.
Com cautela tipicamente diplomática, ele usou várias vezes a palavra "não" para se opor às críticas à política externa do governo Dilma Rousseff, mas reconheceu que o Itamaraty não decide a ida da presidente a Washington, nem questões como médicos cubanos, extradição do foragido do mensalão Henrique Pizzolato e asilo ao ex-senador boliviano Roger Molina.

Luiz Alberto Figueiredo - Absolutamente, muito pelo contrário. A presidente Dilma frequentemente discute comigo temas de política externa e está muito bem informada. Isso é um mito que se desenvolveu não sei como, já que o interesse da presidente é muito grande. Logo que tomei posse, ela usou uma frase dizendo que o Itamaraty estava fazendo muita diplomacia e pouca política externa.
Para o leigo, ela queria menos fru-fru e mais consequência?
Eu não poria assim. A mensagem que eu entendi foi menos reação e mais ação.
Um dos focos das críticas foi a sua ausência na reunião Genebra 2, sobre Síria. Por que o Brasil desdenhou participar?
Não é verdade. Por que não fui? Porque não era uma reunião conclusiva, e a presença seria só simbólica. Tenho mantido conversas com o facilitador na ONU [para o conflito sírio], Lakhdar Brahimi.
A Rússia, que é dos Brics, tem tido posições bem particulares no caso da Síria, de Edward Snowden, e agora é o pivô na crise da Ucrânia. Como o Brasil vê essas posições?
A Rússia teve papel fundamental ao conseguir obter uma solução para a destruição do arsenal químico sírio e, por ter uma posição firme no Conselho de Segurança da ONU, evitou também a possibilidade de uma intervenção armada numa hora em que isso agravaria o drama humanitário. A Ucrânia era parte da União Soviética, a Rússia tem a base naval de Sebastopol, na Crimeia, e a Ucrânia tem uma importante população de origem étnica russa, que ainda hoje fala russo. É uma questão de complexidade internacional. Esperamos que o povo ucraniano chegue a uma solução. No mais, não posso especular.
O chefe do Legislativo do Irã, Ali Larijani, disse a parlamentares que o país quer reverter o declínio da relação com o Brasil. A aproximação foi no governo Lula e passou?
Posso adiantar que não há um esfriamento das relações. Tive uma reunião em Nova York com o chanceler [Mohamad Javad] Zarif, que é um velho amigo de ONU, em que combinamos uma ida minha a Teerã. Só falta marcar a data, e não será uma visita apenas de cortesia, pois buscará resultados práticos.
Por que o Brasil está mudo diante da crise na Venezuela?
Ao contrário. Não estamos mudos, nos manifestamos por três notas: do Mercosul, da Unasul e da Celac.
Todas em conjunto, mas o sr., por exemplo, não se posicionou realmente a respeito.
Não há necessidade. A presidente deu declarações em Bruxelas, eu dei quando o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido [William Hague] veio aqui, e as três manifestações em bloco tornam a nossa mensagem bastante clara.
A nota do Mercosul não foi alvo de críticas por manifestar apoio excessivo a Maduro?
Não é verdade. A nota do Mercosul foi mal compreendida e até cito aqui um trecho que diz que os países "repudiam todo tipo de violência e intolerância [...], qualquer que seja a origem". Isso não me parece que seja, como li em algumas partes, responsabilizar os manifestantes pela violência. O que diz o Mercosul é que "qualquer que seja a origem", a violência é condenada e repudiada. E o parágrafo seguinte insta as partes ao diálogo.
Então a nota foi uma crítica e um recado ao Maduro?
O presidente Maduro não precisa de recados. Isso não é um recado, é uma reafirmação do Mercosul quanto à importância de que todas as questões sejam tratadas dentro de um marco democrático. Ninguém diz que há uma culpa específica. Aliás, nós lemos que agentes do Estado estão sendo presos na Venezuela, acusados de mortes de manifestantes.
Mas nós também lemos que um legítimo líder de oposição foi preso e isso não está no Protocolo de Ushuaia.
Sim, mas não me cabe comentar uma ordem judicial de outro país. É um princípio basilar da política externa brasileira a não-interferência em assuntos internos.
A Venezuela e os EUA expulsaram reciprocamente seus diplomatas. Com Lula, o Brasil atuava meio como mediador. E agora?
O Brasil atuava e atua, mas não necessariamente abertamente. Muitas coisas se obtêm em diplomacia sem que elas cheguem a público, até porque, se chegarem, não terão resultado.
É por isso que o chanceler venezuelano decidiu vir para uma conversa olho no olho?
Ele pediu para vir para explicar a situação interna e as medidas que o governo vem tomando para a facilitação do diálogo político no país. O Brasil defende esse diálogo.
Por que os sucessivos adiamentos da cúpula do Mercosul e, até agora, nada?
A presidente Cristina Kirchner [Argentina] passou por intervenção cirúrgica e depois foi difícil compatibilizar as agendas de cinco presidentes. Não significa que o Mercosul esteja parado, ao contrário.
Por que a presidente Dilma cancelou a ida a Bruxelas e depois voltou atrás?
A presidente queria ir com resultados palpáveis, não para uma reunião de mera cordialidade. Quando viu que, de fato, era possível dizer aos europeus que estávamos muito próximos de um acordo Mercosul-UE, ela confirmou a ida.
A Argentina, por não concluir sua lista de ofertas, estava atrasando o cronograma?
A Argentina tem sido extremamente partícipe do processo. Nós, do Mercosul, estamos em fase de compatibilização das ofertas. Vamos fazer reunião dia 7, em Montevidéu, e estou plenamente convencido de que estará tudo pronto no fim de março.
O que vai ocorrer com o senador boliviano Roger Molina, asilado no Brasil?
O Conare [Comitê Nacional para os Refugiados] está examinando o caso, e eu acompanho com interesse, mas vamos ver.
Qual o papel do Itamaraty no caso Henrique Pizzolato?
Ao Itamaraty cabe encaminhar o pedido de extradição às autoridades italianas, coisa que já fizemos.
Depois do discurso de Obama e da ida do sr. ao Departamento de Estado, o que falta para a presidente Dilma ir aos EUA?
Não comentarei tratativas desse tema. A presidente tratou do assunto [do monitoramento] com o presidente Obama e na ONU, enquanto estamos tomando iniciativas, como a resolução da Assembleia Geral, feita pelo Brasil e pela Alemanha, sobre o direito à privacidade na era digital. E vamos ter, em abril, em São Paulo, uma conferência multissetorial, com governos, empresas e representantes de vários setores, sobre governança na internet.
Por que o Brasil não concede asilo a Edward Snowden?
Nunca foi pedido esse asilo. Houve uma circular de uma ONG para vários países pedindo asilo para ele. Não dissemos não. Nem sequer sabíamos se o pedido da ONG partia dele. Numa conversa com a embaixadora [dos EUA no Brasil, Liliana Ayalde], o assunto surgiu e eu disse: "Olha, o caso não se coloca. Não tivemos nenhum pedido de asilo e, portanto, não vamos considerar".
O Brasil tem condições de pagar em torno de R$ 55 mil por mês de aluguel só para um dos dois embaixadores em Nova York? E para quê?
A residência do embaixador em Nova York é um próprio nacional e a do embaixador alterno, essa sim, é alugada e não tem nada de suntuoso. Porém, os preços em Nova York são muito salgados. Ele teve dificuldade em encontrar um imóvel perto da ONU, porque eram muito caros, e foi para o outro lado da cidade. Lá, as celebridades moram na ilha inteira. Quando jovem, morei lá num apartamento modesto de dois quartos e vivia no mesmo prédio o [ator] Anthony Quinn.
- fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/154730-defendemos-dialogo-com-os-opositores-na-venezuela.shtml
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