
1. Introdução
O período imperial brasileiro é uma época histórica na qual existiram, ao mesmo tempo, fortes embates internos e diversos conflitos externos. No âmbito interno, o momento pós independência e subsequente à outorga da Constituição de 1824 é marcado pelas revoltas regenciais e pela criação dos partidos liberal e conservador, que divergiam quanto à melhor forma de organização política para o Brasil. De um lado, os conservadores defendiam a centralização e, de outro, os liberais o federalismo.
No plano internacional, o contexto era bastante delicado. Existia um contencioso diplomático a ser solucionado com a Inglaterra a respeito da extinção do tráfico negreiro, a Guerra do Prata, a questão da navegação internacional do Amazonas e, diretamente relacionado a estes e todos os demais problemas, a quase impossível tarefa de negociar e delimitar os limites brasileiros e manter o território da época colonial.
O pensamento e a atuação política de Paulino José Soares de Souza (Visconde de Uruguai) caminhou por todos estes – e mais alguns – assuntos relevantes. Líder do partido conservador, sua atuação influenciou vigorosamente a aprovação das principais medidas centralizadoras do Regresso conservador (a Lei de Interpretação do Ato Adicional e a Reforma do Código de Processo), que buscava o reestabelecimento da centralização política do Império nos moldes da Constituição de 1824. Ocupou a Chefia dos Negócios Estrangeiros por duas vezes e, durante esse período, teve a oportunidade de desenvolver políticas externas para o Brasil que iriam solucionar diversos conflitos do país e pautar a diplomacia brasileira até o fim do Império.
Neste contexto, a presente pesquisa busca examinar o pensamento centralizador do Visconde de Uruguai e a sua influência na consolidação da política externa do Império, especialmente no que diz respeito à questão da abertura internacional da navegação do rio Amazonas. Pretende-se demonstrar que a visão de Paulino, claramente percebida em seus pronunciamentos formais e informais sobre este assunto em particular, era profundamente nacionalista e que, portanto, o mesmo exerceu – e exerce até hoje – influência sobre o atual pensamento constitucional brasileiro.
2. A vida do Visconde de Uruguai e o seu pensamento conservador sobre a centralização
Com nome de registro Paulin Joseph, Paulino José Soares de Souza nasceu em Paris na data de 4 de outubro de 1807 – às vésperas da vinda da família real portuguesa ao Brasil e no auge do Império Napoleônico na Europa. Foi filho de José Antônio Soares de Souza, nascido em Minas Gerais, médico e, até onde se têm relatos, desprovido de grandes propriedades agrícolas e de Antoinette Gabrielle Madeline Gilbert, francesa e filha de um livreiro que, durante a Revolução Francesa, fora guilhotinado por defender os girondinos (SOUZA, 1944).
Seu pai, José Antônio Soares de Souza, buscando um futuro diferente do que teve o avô de Paulino, que era um funcionário público de baixo escalão (guarda-mor), se formou em medicina e, em 1809, entrou para o Exército Napoleônico – conhecido pela possibilidade de ascensão na hierarquia militar através da coragem pessoal (HOBSBAWM, 1996, p. 49). Percebe-se, portanto, que Paulinho provinha de uma família que, apesar de não possuir grandes riquezas ou prestígio, buscava uma escalada social na comunidade brasileira.
De acordo com Ivo Coser (2006/2007), Paulino sempre teve clara consciência da sua origem social, tanto que, posteriormente, quando foram solicitadas suas armas para pintura na Capela do Palácio de Fredericsburgo, disse que era de família descente, mas não nobre e que, portanto, não as possuía (SOUZA, 1944, p. 58).
Paulino passou praticamente toda a sua infância na Europa e foi somente em 1818, com o retorno da sua família à cidade de São Luís do Maranhão, que conheceu o Brasil pela primeira vez. Contudo, pouco tempo depois, em 1823, retorna à Europa para iniciar seus estudos em direito na Universidade de Coimbra, fato que, aliado ao seu posterior ingresso na carreira política brasileira, causou grande desgosto à sua mãe francesa que sonhava com o retorno de Paulino à França e com o estreitamento dos seus laços com a sua cidade natal (COSER, 2006/2007).
Paulino inicia seus estudos em Coimbra no ano de 1825, em uma Universidade bem diferente daquela pensada pelo Marquês de Pombal quase um século antes e marcada por fortes reações às reformas pombalinas. Apenas três anos depois, em 1828, Paulino retorna ao Brasil após ter sido brevemente preso em uma rebelião favorável à Dona Maria e devido à paralisação das aulas. O retorno ao Brasil demonstra o interesse de Paulino na construção do estado brasileiro em detrimento à uma vida estável e próspera na Europa (AUBERT, 2011).
Apesar de não ter concluído o curso de direito em Portugal, o curto período de estudos em Coimbra proporcionou a Paulino contatos valiosos – especialmente com Honório Hermeto Carneiro Leão (futuro Marquês do Paraná) – e lhe forneceu o elemento necessário à promoção da sua rápida ascensão social e política, uma vez que o ensino universitário em Coimbra exercia, à época, um verdadeiro papel unificador da elite política brasileira (CARVALHO, 1996).
Ao retornar ao Brasil, Paulino faz uma breve passagem por São Luís do Maranhão e Recife, onde, inclusive, foi recomendada por Lourenço José Ribeiro – colega de estudo em Coimbra – a sua nomeação para o cargo de professor da faculdade de direito. Paulino recusa o convite para ir a São Paulo retomar seus estudos na recém-criada faculdade de direito de São Paulo (COSER, 2006/2007). Segundo estudos de Werneck Vianna (1986), o curso de direito era, à época, exclusivamente pensado para possibilitar a formação do jurista-político, aquele que teria papel determinante na construção do país. Dessa forma, mesmo desprovido de grandes terras ou fortunas, Paulino ingressa em uma faculdade que ira lhe permitir, apenas poucos anos mais tarde, adentrar no seleto grupo da elite política imperial brasileira.
Com a conclusão dos seus estudos em 1831, a amizade com Feijó, então Ministro da Justiça, rende os seus primeiros frutos e Paulino é nomeado para o cargo de juiz do foro da Cidade de São Paulo. Desde então Paulino já demonstrava sua habilidade política e diplomática, pois mantinha intensa correspondência com Costa Carvalho – regente e forte crítico dos Andradas – e Antônio Carlos Andrada, sem qualquer tipo de atrito. Segundo comentário do Barão de Cotegipe, ele era capaz de bailar em cima de uma mesa sem quebrar nenhum cristal (SOARES DE SOUZA, 1923). Nessas cartas, Paulino transparece sua visão – aliada à dos liberais moderados – de preocupação com a escalada dos conflitos gerados pela renúncia do Imperador.
A crise da abdicação foi fortemente agravada com a cisão dos liberais em moderados e exaltados. Estes acreditavam que a renúncia de Dom Pedro I abria espaço para a inserção do tema do federalismo à agenda de reformas políticas e, para um pequeno grupo dos exaltados, o momento ia além e proporcionava uma oportunidade de discussão, inclusive, da república. Já os liberais moderados – aos quais Paulino se filiava – acreditavam que o momento era de assegurar um reforço do poder Legislativo frente ao Executivo e de conceder uma maior autonomia às províncias para gestão de assuntos internos sem, contudo, introduzir o tema da monarquia confederada (COSER, 2006/2007).
Com a queda de Feijó e a subida de Honório Hermeto Carneiro Leão – amigo de Paulino de Coimbra – para a pasta da Justiça, Paulino é nomeado para diversos cargos importantes entre os anos de 1932 e 1934. Durante esse período, casa-se com Ana Maria Álvares de Azevedo, de família ligada aos interesses da propriedade agrícola cafeicultora e cuja irmã havia se casado com Rodrigues Torres, à época Ministro da Marinha, e começa a consolidar a sua entrada na elite política do país (SOUZA, 1944). Anos mais tarde Rodrigues Torres, Paulino e Eusébio de Queiroz formariam a famosa e influente trindade saquarema do partido conservador (COSER, 2006/2007).
Em 1935, com apenas 27 anos, Paulino recebe recomendação de Castro e Silva para ocupar a Pasta da Justiça. Contudo, recusa o convite e, em carta enviada para justificar tal recusa, diz “ [...] não me acho com forças suficientes para exercer um cargo tão importante que as atuais circunstâncias tornam ainda mais difícil.” (SOUZA, 1944). Ainda nesse ano, Evaristo Veiga inclui o nome de Paulino na lista de candidatos à deputação provincial do Rio de Janeiro, marcando o ingresso do mesmo na arena política parlamentar.
Em 1836 Paulino já faz parte da importante comissão de Justiça e é nomeado relator da análise do Ato Adicional de 1834, através da qual já insere seus pensamentos conservadores que, anos mais tarde, terminariam por culminar na Lei de Interpretação do Ato Adicional. No mesmo ano, Regente Feijó o nomeia presidente da província do Rio de Janeiro, em substituição a Rodrigo Torres. Durante o longo período em que permaneceu na presidência do Rio de Janeiro (1836 – 1839), Paulino elaborou relatórios nos quais atacava diretamente o Código de Processo e o Ato Adicional, demonstrando claramente seus pensamentos conservadores e sua influência política (PINTO, 2014).
Após ser eleito para a Assembleia Geral do Parlamento Nacional, Paulino passa a integrar, em 1837, juntamente com Miguel Calmon du Pin e Honório Hermeto Carneiro Leão, a comissão encarregada de elaborar uma interpretação ao Ato Adicional. Juntamente com a Reforma do Código de Processo (1840) e a Lei do Conselho de Estado (1841), a Lei de Interpretação do Ato Adicional (1839) forma o alicerce do chamado regresso conservador (TORRES, 1986). É a partir deste momento histórico que surgem os partidos liberal e conservador que, até 1889 – com a passagem da Monarquia para a República, protagonizaram a discussão entre centralização e descentralização.
Com a queda do Gabinete Maiorista e a subida do Gabinete Palaciano ao poder, em março de 1841, Paulino é convidado novamente a assumir a pasta da Justiça, nela permanecendo até 1843. Durante esse período, Paulino enfrenta – pelo menos – três grandes revoltas regenciais: o Movimento Liberal de 1842, a Balaiada no Maranhão (1838 a 1841) e a Cabanagem (1835 a 1840). A revolta liberal de 1842 – mais duramente combatida por Paulino – foi um movimento liderado pelas elites imperiais e que buscava reverter a política centralizadora e retomar o sentido federalista do Ato Adicional (COSER, 2006/2007).
Na sua visão conservadora, as revoltas demonstravam uma grave ameaça à paz e, de maneira mais importante, à unidade nacional brasileira, motivo pelo qual as mesmas foram duramente repreendidas pelo Governo. Paulino defendia a necessidade de tais medidas duras e respondia às criticas dos liberais à forma como as revoltas vinham sendo administradas pelo Governo, o que os deixava ainda mais exaltados:
Eu o reconheço. O poder, quando suspende as garantias, exerce uma ditadura. A suspensão de garantias confere um poder terrível, forte e discricionário. Mas, senhores, o poder revolucionário ainda é mais forte, mais terrível e mais discricionário. A ditadura da suspensão das garantias é limitada pelas leis não suspensas e por toda a organização social. O poder revolucionário, porém, tem a organização que quer ter, não tem de dar contas senão quando vencido, salta por cima de todas as leis. (Sessão em 7 de fevereiro de 1843, p. 562)
Com a queda do gabinete em 20 de janeiro de 1843, Paulino retorna ao legislativo por um curto período e, ainda no mesmo ano, assume a pasta de Negócios Estrangeiros pela primeira vez, permanecendo neste cargo até a queda do gabinete, em 2 de fevereiro de 1844, momento no qual se inicia o chamado quinquênio liberal (1844 a 1848). Ainda que breve, a primeira gestão de Paulino no comando dos negócios estrangeiros, frente a um momento histórico em que as questões externas passaram a ser relevantes para a segurança e integridade do Império, tira o país da posição de neutralidade – que segundo Miguel Gustavo Torres (2011, p. 29/30) – parecia não mais assegurar os interesses nacionais cria as bases da política externa proativa que o mesmo iria adotar anos mais tarde no retorno à pasta de Negócios Estrangeiros.
O retorno dos liberais ao poder pode ser claramente explicado pelo apoio que este grupo forneceu à antecipação da maioridade do Imperador. De acordo com o historiador Paulo Pereira de Castro (1985, p.521), o afastamento dos conservadores do poder durante o quinquênio liberal se deve ao ressentimento do Imperador com este grupo que, quando do golpe da maioridade, não o apoiaram.
Após duas eleições frustradas ao senado (1847 e 1848), nas quais foi o mais votado e, ainda assim, preterido, Paulino é eleito, em 1849, senador pela província do Rio de Janeiro, aos 40 anos de idade. A entrada de Paulino no senado coincide com o fim do quinquênio liberal e com a queda dos liberais do poder. A diversidade de ideologias dentro do partido liberal é apontada como uma das grandes causas da sua queda neste período. De acordo com Nabuco de Araújo (1949, p. 100):
O país vira a situação liberal de 1844-1848 nada realizar do que prometera; não tocar sequer nas leis de 1841, por cauda das quais o partido fizera duas revoluções de Minas e São Paulo. Os chefes liberais tinham caído do poder mortalmente desalentados, descrentes uns dos outros e de si mesmos.
Pode-se dizer que, com o fim do quinquênio liberal, a formação da Trindade Saquarema marca a retomada de poder pelo partido conservador. Rodrigues Torres (Visconde de Itaboraí) já era Ministro da Fazenda desde 1844 e Eusébio de Queiroz ocupava a pasta da Justiça desde 1846. Com a subida ao poder do gabinete chefiado por Mont’Alegre, em outubro de 1849, Paulino assume a pasta de Negócios Estrangeiros pela segunda vez, momento em que é concebida a famosa – e poderosa – Santíssima Trindade do partido conservador.
De acordo com Miguel Gustavo Torres (2011, p. 20), “Vitoriosa, no plano interno, a centralização política e administrativa do Império propiciou um momentum adequado para a formulação e a execução de uma política externa que projetasse a longo prazo os interesses nacionais do Império do Brasil”. Dessa forma, o período histórico que se segue a partir de 1850 é marcado por relativa estabilidade política e ascensão econômica, o que permitiu a Paulino um cenário favorável à execução da sua política externa proativa iniciada anos antes quando da sua primeira passagem pela pasta dos Negócios Estrangeiros e de uma política pautada na importância das relações com os países vizinhos.
Em 1853, com o surgimento da política de conciliação do Marquês do Paraná (Bernardo Pereira de Vasconcelos) – um liberal que, anos depois, se tornou conservador – que buscava a união do partido liberal com o partido conservador, Paulino abandona o gabinete, alegando que os partidos deveriam ser mantidos independentes e separados.
Paulino passa a se engajar em missões diplomáticas ligadas às questões de demarcação de fronteiras. Um ano depois, em 1854, é condecorado Visconde. A partir de 1857 começa a, lentamente, se afastar das questões político-partidárias e, em 1859, manifesta através de carta o seu desejo de passar a se dedicar exclusivamente aos livros (SOUZA, 1944). De acordo com Ivo Coser (2006/2007, p. 44), o esforço intelectual do Visconde do Uruguai “[...] ao final da vida deixará um trabalho que corresponde ao programa da corrente centralizadora desde a Constituinte de 1823 até o fim do Império”.
Em sua trajetória política não havia espaço para ideias que não considerassem a realidade brasileira. Motivo pelo qual, ainda que tenha dedicado sua vida inteira à defesa da centralização em oposição à descentralização proposta pelo partido liberal, sua trajetória nos leva a crer que Paulino jamais deixou de refletir sobre os possíveis benefícios da descentralização. A verdade evidente no seu posicionamento demonstra, contudo, que, apesar dos benefícios, o mesmo não acreditava que o Brasil estava preparado para um estágio tão avançado de organização política (FERREIRA, 1999, p. 123-124).
Percebe-se, portanto, que o Visconde do Uruguai foi um grande estadista, principal teórico da corrente conservadora do Império e de importância medular na construção das instituições políticas que perduraram da independência do Brasil até a queda do Império (RODRIGUES, 2011).
3. A atuação diplomática do Visconde de Uruguai e a consolidação da política externa do Império do Brasil
Com a consolidação dos conservadores no poder e início de um período de relativa estabilidade política no Brasil, Paulino assume em 1849, pela segunda vez, a chefia dos Negócios Estrangeiros em meio a um momento crítico para a consolidação da política externa do Império. Durante os quase cinco anos que liderou a pasta, Paulino teve que lidar com diversos temas determinantes – e sensíveis – para o Império, e o primeiro deles foi a questão da abolição do tráfico negreiro (COSER, 2006/2007).
A despeito da célebre frase atribuída ao político pernambucano Holanda Cavalcanti, que dizia que “Nada se assemelha mais a um ‘saquarema’ do que um ‘luzia’ no poder” (FAUSTO, 2007, p. 180), liberais e conservadores divergiam em diversos aspectos, sendo o principal deles a questão da centralização/descentralização. Contudo, em um ponto havia claro consenso: o instituto da escravidão, motivo pelo qual a questão da abolição do tráfico era sensível tanto interna quanto externamente.
O contencioso político com a Inglaterra, que exigia do Brasil uma posição firme na questão do tráfico negreiro internacional, não era recente e foi, por diversas vezes, postergado por manobras brasileiras ao longo de décadas de negociações. Inicia-se com a promessa de Dom João VI em 1807, a qual foi reiterada em 1810, renovada por Dom Pedro I em 1822 e 1825, e endossada em 1831 por convenção diplomática. De acordo com com Miguel Gustavo Torres (2011, p. 22):
Criou-se um paradoxo diplomático em que o principal aliado econômico do Império era ao mesmo tempo o seu principal inimigo político. Um buraco negro diplomático capaz de absorver toda a habilidade e prestígio da diplomacia do Império, refém de uma cautela arteira e defensiva.
Em 1845 – poucos anos antes de Paulino assumir a pasta de Negócios Estrangeiros – o conflito diplomático britânico com o Império escala a um novo patamar quando a Inglaterra edita o Bill Aberdeen que, em termos resumidos, desmoralizava o Brasil e a sua soberania nacional com o uso da força para a repressão do tráfico de negros, inclusive nas águas brasileiras. A atitude inglesa provoca nos brasileiros uma ira nacionalista e termina por expandir descontroladamente o tráfico de negros no país e, em reação proporcional, elevar a reação militar da Inglaterra.
Continuar elevando o tom do conflito e declarar uma guerra política com uma das principais potencias mundiais à época e responsável por boa parte da economia brasileira não parecia a opção sensata aos interesses do Império. Desta forma, pouco antes de assumir o cargo, Paulino já articulou uma campanha em prol da proibição definitiva do tráfico de escravos no parlamento e na imprensa, criando, assim, internamente as bases de uma política externa viável e favorável ao país. De acordo com Miguel Gustavo Torres (2011, p. 35):
A partir desta situação política favorável, Paulino concebe e executa, logo no início de sua segunda gestão diplomática, um plano que resgataria o respeito e a margem de manobra externa do Brasil no cenário regional e mundial. Tomando por princípios justamente a soberania e os interesses nacionais, o Chanceler brasileiro é bem-sucedido em sua campanha. A antiga reclamação britânica pelo término definitivo do tráfico negreiro é atendida com a aprovação de lei apresentada por seu colega de partido e de gabinete, Eusébio de Queiroz Coutinho Matoso da Câmara, Ministro da Justiça, promulgada em 4 de setembro de 1851. Decorridos seis anos de aplicação da lei Aberdeen em território brasileiro e menos de um ano de sua posse no Ministério dos Negócios Estrangeiros, Paulino consegue encerrar um contencioso diplomático que se arrastava há décadas e apresenta essa decisão como ato de soberania nacional, decorrente da vontade majoritária da sociedade brasileira.
O instituto da escravidão era um dos poucos pontos de convergência entre os liberais e conservadores. Contudo, Paulino, operando o projeto conservador para a questão da escravidão, reconhecia a necessidade de, gradualmente, abolir a mesma como forma de seguir a tendência mundial e buscar o desenvolvimento e a civilização. Dessa forma, a atitude de Paulino em relação a esta questão problemática demonstra novamente a sua visão de criar soluções voltadas à realidade brasileira, ou seja, a solução era, naquele momento, condenar o tráfico negreiro, mas não a escravidão. Vejamos o que diz José Murilo de Carvalho (2002, p. 42):
Para um estadista que acreditava na tarefa civilizadora do governo em relação à população do país, e mesmo em relação aos tumultuosos e bárbaros vizinhos do Prata, a escravidão colocava um problema intratável. Falar abertamente contra ela seria afrontar a classe a que se unira pelo casamento. Defende-la abertamente seria agredir suas convicções quanto ao interesse nacional bem entendido e ao movimento da civilização. A escravidão era o indizível: escolheu o silêncio.
Percebe-se, portanto, que, ao assumir os negócios estrangeiros, Paulino se viu em meio a uma forte pressão externa, ligada ao grave conflito diplomático com os ingleses, e uma forte influência interna, pois, opostos aos interesses britânicos, estavam os interesses dos grandes fazendeiros, aliados aos dos saquaremas.
Além de conseguir atender aos interesses internos e conservadores, mantendo o instituto da escravidão, Paulino conquista, com a Lei Eusébio de Queiroz, o fim do conflito diplomático que se arrastava há décadas entre o Império e a potência Inglesa e adquire para o Brasil um aliado valioso na questão do Prata. É nesse momento que Visconde de Uruguai começa a demonstrar seu brilhantismo diplomático.
É importante salientar que, na visão do historiador João Camilo de Oliveira Torres – a qual nos filiamos, comentando os aparentes paradoxos do conservadorismo, fica claro que a política externa elaborada por Paulino, bem como a Lei Eusébio de Queiroz e, até mesmo, a posterior Lei Áurea são consequências da obra regressista dos saquaremas. Segundo o Autor (1968, p. 180), “A Lei Áurea, esta a extraordinária verdade, foi a filha mais bela do Regresso”.
Encerrado o conflito diplomático com a Inglaterra, o momento agora era outro: o de solucionar o problema do Prata. De acordo com Miguel Gustavo Torres (2011, p. 39):
Paulino tinha demonstrado sua força política e moral. A sua batalha diplomática com a Inglaterra e a guerra que travou com a oposição liberal no Parlamento certamente abateria alguém menos comprometido com os altos interesses nacionais. [...] Dado este passo, era preciso definir os princípios e as diretrizes que iriam nortear a política externa do Império em seu entorno regional e na sua inserção mundial. A definição dos limites territoriais do Império e a preservação da sua integridade passaram a ser as prioridades conferidas pelo futuro Visconde do Uruguai ao seu projeto político e diplomático. A preservação do imenso território amazônico e o equilíbrio político e estratégico no rio da Prata – principalmente a liberdade de navegação dos rios Uruguai, Paraná e Paraguai – os seus objetivos imediatos.
Desde o fim da desgastante Guerra da Cisplatina, que terminou por culminar na independência do Uruguai, o Brasil passou a abandonar a política militarista do Primeiro Reinado e a adotar uma política de não intervenção nos assuntos do Prata. Esse regime de neutralidade brasileira no Prata, aliado ao afastamento do Império durante os conflitos separatistas da Regência, abriu espaço para as manobras políticas e militares do General Rosas, que assumiu o poder em Buenos Aires em 1839 (TORRES, 2011).
A Guerra do Prata teve inicio com a união do ditador argentino Juan Manuel de Rosas e do Ministro de Guerra Uruguaio Manuel Oribe com a intenção de ter o Uruguai, o Paraguai e a Bolívia em sua esfera de influência e poder e, posteriormente, recriar o antigo Vice-Reinado do Prata. A intenção principal de Rosas era garantir que a Argentina se tornasse a principal potência da América do Sul (FAUSTO, 2007). Desnecessário dizer que as pretensões argentinas iam de encontro aos interesses de soberania brasileiros, uma vez que o antigo Vice-Reinado era formado, também, por terras brasileiras.
De acordo com Gabriel Nunes (2006, p. 84), quando ocupou a pasta dos Negócios Estrangeiros pela primeira vez (1843-1844) até mesmo Paulino reconheceu, devido ao estado financeiro do Império após os gastos com as revoltas provinciais, a necessidade de uma neutralidade frente à questão do Prata.
Ainda assim, já tomava, à época, decisões que iriam embasar a política externa proativa que, anos mais tarde (1849-1853) iria formular e conduzir. Como exemplo, pode-se citar a nomeação, em 1843, de José Antônio Pimenta Bueno (futuro Marquês de São Vicente) em missão diplomática em Assunção com o objetivo de reconhecer a independência do Paraguai e estabelecer aliança com o país, através de assinatura de Tratado de Amizade e Comércio. De acordo com Miguel Gustavo Torres (2011, p. 69):
Esta situação de instabilidade e a perspectiva cada vez mais clara das intenções de Rosas de anexar pelas armas o Uruguai, o Paraguai, e, se possível, todos os territórios que foram parte do vice-reino do Rio da Prata, levaram Paulino a esboçar uma primeira reação com o envio da Missão Pimenta Bueno a Assunção.
O posicionamento de Paulino, com o envio de Pimenta Bueno a Assunção e o reconhecimento da independência do Paraguai, irritou Rosas e iniciou uma escalada dos conflitos na região. Assim, quando assume pela segunda vez o Ministério dos Negócios Estrangeiros em 1849, o clima de tensão entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires já alcançava níveis preocupantes e ameaçava a integridade territorial do Império, o suficiente para mudar a opinião do Chanceler brasileiro sobre a política de neutralidade apoiada pelo mesmo até então.
Contudo, ainda acreditava que era necessário fortalecer e preparar o Império para uma mudança de política externa e possível conflito armado. Dessa forma, percebe-se a importância da atuação de Paulino na questão diplomática com a Inglaterra relacionada à abolição do tráfico negreiro. Paulino queria manter o bom relacionamento político com o país e afastar qualquer possibilidade de intervenção britânica nas atitudes do Império do Brasil no Prata.
Além disso, a Inglaterra exercia posição estratégica entre o Brasil e os demais países da América Latina e era, segundo a Convenção Preliminar de Paz de 1828, potência mediadora de qualquer eventual conflito entre os países. Portanto, com a rápida solução do conflito diplomático com Londres, Paulino assegurou a não intervenção do país nas questões do Prata (TORRES, 2011).
Com as relações externas em perfeita harmonia com Inglaterra e França, Paulino passa a implementar sua política diplomática, visando a preservação da soberania nacional, a proteção da integridade territorial e, também, a adoção de uma posição externa capaz de projetar o poder nacional para a consolidação do equilíbrio geopolítico na região do Prata e para a busca dos seus interesses mundiais junto às grandes potências, especialmente neste período de avanço do colonialismo europeu e do expansionismo norte-americano. Ao Sul, o Império defendia a livre navegação internacional da bacia do Prata. Paulino busca, portanto, durante o seu período nos Negócios Estrangeiros, definir políticas para tornar o Brasil o que hoje se chama de Global Player. Hoje se sabe que estas diretrizes criadas por Paulino nortearam os principais itens da pauta externa brasileira durante todo o Império.
O objetivo principal da sua política era consolidar o Estado brasileiro que, à época, não tinha suas fronteiras definidas e reconhecidas internacionalmente. Dessa forma, Paulino põe fim às discussões sobre os inúmeros documentos existentes até o momento para a demarcação de territórios – os quais eram utilizados ou não por mera conveniência, causando insegurança jurídica – e reestabelece os princípios do utis possidetis e das fronteiras naturais, consagrados no extinto Tratado de Madri, colocando em aberto a questão das fronteiras, as quais teriam de ser negociadas e definidas através dos referidos princípios (GÓES FILHO; FONTES, 2000, p. 184). De acordo com Luís Cláudio Villafañe (2003, p. 67):
Ainda que não se possa atribuir a Soares de Souza a primazia na utilização do utis possidetis na discussão dos limites brasileiros, foi, sem dúvida, em sua segunda gestão na secretaria dos negócios estrangeiros, de 1849 a 1853, que esse conceito se firmou como doutrina. Mais ainda, Soares de Souza desencadeou uma importante ofensiva diplomática enviando Duarte da Ponte Ribeiros, ao Peru e à Bolívia, e Miguel Maria Lisboa, à Colômbia, ao Equador e a Venezuela, para estabelecerem tratados de limites com base no utis possidetis.
Portanto, com a estratégia de buscar uma “diplomacia americana”, Paulino envia Duarte da Ponte Ribeiro – diplomata e cartógrafo, considerado o maior especialista do Império em fronteiras – para uma Missão Especial em Lima, onde o mesmo foi o responsável pelas negociações e pelo fechamento do primeiro tratado de limites vigente no Império, seguindo o princípio do utis possidetis e a política de autorização da navegação de rios internos a partir de acordos bilaterais. O diplomata tentou firmar acordo semelhante com a Bolívia, não tendo sucesso (COSER, 2006/2007).
Ao mesmo tempo – e seguindo os mesmos moldes de acordo, Miguel Maria Lisboa foi enviado por Paulino à Venezuela e à Colômbia para a negociação de tratado de limites com estes países. Apesar de assinados e não ratificados, tais tratados definiram os limites a serem adotados, os quais perduram até hoje (CARVALHO, 1998).
Para solucionar a delicada situação com o Uruguai e garantir uma aliança política e militar contra Rosas, Honório Hermeto Carneiro Leitão foi enviado em Missão Especial ao Rio da Prata como Plenipotenciário. Honório conseguiu negociar, em 1851, acordo em Montevidéu delimitando os territórios do Império em relação àquele país. De acordo com Miguel Gustavo Torres (2011, p. 171):
A Missão Especial de Honório Hermeto e Paranhos é uma referência emblemática da historiografia brasileira. Considerada como um dos mais importantes triunfos da nossa diplomacia imperial, promoveu a articulação de uma aliança regional que encerrou, em tempo recorde, um longo conflito armado em nossas fronteiras, com participação militar mínima do Império.
Com apenas três anos como chefe na pasta dos Negócios Estrangeiros Paulino havia alcançado o impensável: o contencioso diplomático que se arrastava há décadas com a Inglaterra foi solucionado sem atingir os interesses dos conservadores no âmbito interno, conteve-se o avanço das pretensões argentinas comandadas por Rosas e as aspirações expansionistas europeia e norte-americana e conseguiu-se definir grande parte das fronteiras brasileiras. Acima de tudo, contudo, Paulino criou as diretrizes diplomáticas que iriam ser observadas por anos até o fim do Império, consolidando, assim, a política externa brasileira do período.
4. A questão amazônica e a política externa nacionalista do Visconde de Uruguai
Entre o período de 1580 e 1640 as terras amazônicas – que seriam, por Tordesilhas, pertencentes à Espanha – foram, lenta e sucessivamente, acrescidas ao território brasileiro. Durante o período colonial, a Amazônia representava um segredo bem guardado e altamente protegido. Na fronteira brasileira ao norte – despovoada e de difícil acesso – a política imperial era defensiva e buscava resistir às pressões dos ingleses e franceses, restringindo a navegação à soberania nacional (TORRES, 2011).
Quando Paulino assumiu os Negócios Estrangeiros em 1849 as fronteiras brasileiras na Amazônia ainda não estavam formalmente delimitadas e as grandes potências europeias – apoiadas nas suas Guianas – buscavam ampliar seus territórios. Aliado às investidas da França, Inglaterra e Holanda, os Estados Unidos, inspirado na sua mais nova Doutrina Monroe, começava a demonstrar uma política expansionista na América. Este cenário torna a fronteira amazônica, a partir de então, tema relevante e estratégico para a integridade do Império.
Paulino que, desde a sua primeira vez na pasta dos Negócios Estrangeiros acompanhava as manobras externas na Amazônia, passou a adotar ao norte a mesma postura utilizada ao sul. Nas missões diplomáticas enviadas aos países ribeirinhos entre os anos de 1850 e 1852, Paulino buscava não só a assinatura de tratados para delimitar as fronteiras brasileiras, mas, também, a regulamentação bilateral dos rios interiores, o que incluía o rio amazonas. Foi bem-sucedido com as negociações com o Peru, Nova Granada, Venezuela e Colômbia. Contudo, a pressão norte-americana foi mais forte na Bolívia e Equador, que passaram a permitir o transito fluvial a todas as nações estrangeiras(COSER, 2006/2007). De acordo com Caldeira (1995), Paulino, como um diplomata rápido e preciso, agiu corretamente ao enviar tais missões diplomáticas. Apesar de não ter conseguido sucesso em todas as negociações, foi capaz de frear o ímpeto norte-americano.
Paulino era adepto da tese de que, antes de abrir o Amazonas à navegação internacional, primeiro era necessário definir os limites territoriais brasileiros, o que pautou toda a sua política externa do período. Internamente, o posicionamento de Paulino não agradava aos liberais, que alegavam que as medidas adotadas pelo Brasil estavam impedindo o progresso e a civilização na região. Externamente, o Império era duramente criticado pelos Estados Unidos, que passavam a advogar em prol do argumento do Tenente da Marinha Matthew Maury, o qual defendia não só a livre navegação do rio Amazonas, mas também a teoria de que a Amazônia era uma área de projeção natural ao sul do Estados Unidos, continuação do Vale do Mississipi, e que, portanto, deveria ser colonizada e internacionalizada (MAURY, 1853). Desta forma:
Enquanto Paulino negociava internamente o fim do tráfico negreiro e articulava a sua nova política no Rio da Prata, promovendo um jogo de equilíbrio entre os interesses regionais do Brasil, da Grã-Bretanha e da França, as pressões norte-americanas para a internacionalização da Amazônia começavam a criar um novo foco de atrito para a diplomacia do Império, com reflexos nas suas relações com os países vizinhos da fronteira norte (TORRES, 2011, p. 136).
Além da pressão norte-americana, Paulino se viu em uma delicada situação com as potências europeias quanto ao seu posicionamento de não abertura do Amazonas, aparentemente ambíguo em relação à política do Império no Prata.
A posição do Império, a favor da livre navegação do Prata, contradizia os argumentos brasileiros na Amazônia, balizados sobretudo por interesses de segurança e soberania territorial. As cabeceiras do Prata estavam no Brasil, mas a Argentina e o Uruguai eram os seus ribeirinhos. Na Amazônia, ao contrário, o Império tinha a soberania sobre as bocas do Amazonas, mas os possuidores das suas cabeceiras eram a Bolívia, o Peru, a Colômbia e a Venezuela (TORRES, 2011, p. 142).
O quebra cabeça diplomático era complexo, pois envolvia muitos interesses distintos, mas Paulino, com sua habilidade diplomática e a sua política de envio de missões diplomáticas aos países ribeirinhos para negociações bilaterais, conseguiu administrar com brilhantismo – e ao mesmo tempo – o tema do tráfico negreiro, a Guerra do Prata e a questão amazônica. Juntamente com o envio das missões diplomáticas, Paulino conseguiu articular, internamente, uma série de medidas que viriam a fortalecer a soberania brasileira na Amazônia: o desmembramento da despovoada Província do Grão-Pará – com a criação da Província do Rio Negro (atual Estado do Amazonas), a venda de terras devolutas nas margens do rio Amazonas, a proibição de criação de núcleos populacionais de estrangeiros sem autorização e supervisão do governo imperial e a autorização, em 1850, do estabelecimento de uma companhia particular de navegação a vapor no Amazonas. Pouco tempo depois, em 1853, através de negociações com seu amigo Irineu Evangelista de Sousa, Paulino consegue, com a Criação da Companhia de Comércio e Navegação do Amazonas, envolver a iniciativa privada no processo de desenvolvimento brasileiro e de defesa da região (MATTIONI, 2015).
No final de 1853, Paulino se afasta da Chefia dos Negócios Estrangeiros, sendo substituído por Antônio Paulino Limpo de Abreu e passando a se dedicar ao Conselho de Estado, nas Seções da Justiça e dos Negócios Estrangeiros. Nesta função, emite parecer sobre as demandas norte-americanas no Amazonas (in RODRIGUES, 1973-1978, p. 3-4):
O parecer, datado de 17 de janeiro de 1854, sobre a navegação do Amazonas foi o trabalho mais completo e interessante que se fez, no Império, sobre a questão. Neste parecer Paulino estuda das doutrinas dos escritores de Direito das Gentes sobre a navegação dos rios; faz o histórico da questão e de outros casos semelhantes, como o do Mississipi e o do São Lourenço; refere-se à política que, em 1851, pretendera estabelecer com as Missões Duarte da Ponte Ribeiro e Miguel Maria Lisboa, e aponta os motivos que levaram sempre as principais potencias a decidir questões como a do Amazonas de acordo com seus interesses, num parágrafo com o título seguinte: “Contradições. Diverso modo de proceder na mesma questão”. Para ele é impossível paralisar a opinião, sempre crescente, favorável à navegação do Amazonas. A questão da navegação dos rios está julgada na Europa e na América. Se nos opusermos aberta e completamente à navegação do Amazonas, teremos todos contra nós e ninguém por nós. Seremos, malgrado nosso, arrastados, e quem é assim arrastado não pode dominar e dirigir o movimento que o arrasta para dele tirar o partido.
Pouco depois de assumir o cargo, o novo Chanceler brasileiro recebe requerimento oficial e formal do governo norte-americano solicitando abertura do rio Amazonas à navegação internacional. Seguindo o entendimento do parecer de Paulino, Limpo de Abreu se pronuncia em carta confidencial a Carvalho Moreira:
E o relator nomeado foi o meu antecessor. O parecer já foi dado e depende de resolução regular a navegação dos rios interiores da América entre os condomínios, como pretendia o meu digno antecessor, nenhum perigo traria para o Brasil, seria antes uma medida reclamada pelos interesses do comércio e da indústria. Mas V. Exa. sabe que não atrás, mas adiante dos condomínios apresentam-se, reclamando esta medida, as três mais poderosas nações do mundo. Entendo, pois, que nestas circunstâncias haverá perigo à abertura dos rios há de seguir-se a colonização e digo à V. Exa. que a colonização feita sob a influência dos Estados Unidos, Inglaterra e França é um espectro que me aterra. Servir-me-ei das palavras do meu antecessor para dizer que esta questão está hoje decidida como a do tráfico. Na do tráfico pusemo-nos à frente da opinião que o condenava. Na da navegação dos rios interiores, se não seguirmos a opinião que se tem manifestado, se não a aproveitarmos para tirar alguma vontade, seremos por ela arrastados. Não há resistência possível (In MENDONÇA, 2006, p. 126-127).
Percebe-se, desta forma, que a política externa iniciada por Paulino em 1849, declarando a necessidade de adesão às normas internacionais sobre a navegação, mas, ao mesmo tempo, reconhecendo os perigos que esta medida poderia acarretar, especialmente diante do expansionismo norte-americano e das potencias europeias, serviu de base para a atuação diplomática do Império mesmo após a sua saída dos Negócios Estrangeiros, o que evidencia a sua influência nesta área.
Após onze anos de silêncio, o tema da navegação do Amazonas volta a fazer parte dos debates políticos do Império e, em 1865, o Imperador Dom Pedro II solicita parecer definitivo do Conselho de Estado sobre a abertura do Amazonas à navegação internacional, a partir de quatro perguntas:
1º Se convém abrir desde já ao comércio estrangeiro a navegação do Amazonas e, no caso afirmativo, quais as condições da abertura do mesmo rio.
2° Se, na hipótese negativa, não haverá comprometimento de nossa coerência e lealdade, tendo de pugnar no tratado definitivo de paz com o Paraguai pelos princípios mais largos e mais liberais acerca da navegação dos rios que, como o Amazonas, dão saída aos produtos das regiões da América do Sul.
3º Se devem estabelecer-se diferenças no modo de regular a navegação entre as nações ribeirinhas e as não ribeirinhas, e quais essas diferenças.
4º Se, na concessão de que se trata, deve impor-se alguma limitação ao trânsito dos navios de guerra, ou se convirá de preferência estabelecer-se, a respeito da navegação do Ama- zonas, os mesmos princípios de liberdade e de franqueza que procuramos fazer prevalecer no Paraná e Paraguai.
O Parecer sobre a Abertura Comercial do Amazonas de 1865, assinado por José Antônio Pimenta Bueno, Visconde de Uruguai e Visconde de Jequitinhonha, foi suscinto e direto. No que tange à resposta ao primeiro item (se convém abrir desde já ao comércio estrangeiro a navegação do Amazonas), o parecer relata que existem diversos motivos abstratos para que a resposta a este quesito seja afirmativa, contudo, quando a analisada a questão tendo como base a realidade das coisas, a qual deve guiar o estadista, o parecer oferece uma pergunta fundamental: “[...] está tudo preparado? As condições indispensáveis para garantir os direitos e os interesses brasileiros estão realizadas?” (BRASIL, 2007, p. 203).
É nesse momento que a “[...] meditação substitui o entusiasmo do progresso e condena a inércia, o desleixo, o tempo perdido, que deveria ter disso aproveitado nas preliminares indispensáveis” (BRASIL, 2007, p. 203). Passa-se a analisar, portanto, as duas possibilidades vislumbradas pelo Conselho: 1) a abertura do Amazonas somente aos países ribeirinhos ou 2) também em relação aos demais países. De acordo com a opinião expressada no parecer, o Conselho entende que a primeira opção não é viável, uma vez que abrir o Amazonas somente aos ribeirinhos nenhuma vantagem traria ao Brasil, além de dificultar as negociações de limites ainda em curso e causar maior pressão das potencias estrangeiras pela abertura total. De igual forma, considera o Conselho que abrir totalmente o Amazonas sem que antes tenham sido devidamente assegurados os interesses brasileiros seria um erro grande e fatal.
O parecer passa, então, a descrever diversas medidas que seriam capazes de preparar apropriadamente o Brasil para a abertura das águas amazônicas. Finaliza-se o primeiro item do parecer da seguinte forma:
Em suma, o Brasil não deve olvidar e, menos, desconhecer, que ele tem importantes e variados interesses a zelar no Amazonas [...] e que deve proceder de modo previdente, para que não sacrifique tão valiosos interesses, abrindo essa navegação sem que previamente tenha estabelecido as bases da segurança e predomínio deles. Dir-se-á, porventura, que para isso seria preciso gastar algum tempo? A seção responderia que melhor fora não ter perdido tempo precioso, que se houver atividade e boa escolha para as respectivas legações, pode não haver grande demora e perguntaria, enfim, o que fazer? Sacrificar porventura os direitos e grandes interesses do Império ora pela inércia, ora pela precipitação? (BRASIL, 2007, p. 209).
Após ter, claramente, se manifestado contra a abertura precipitada do rio Amazonas, o Conselho segue o parecer enunciando seu entendimento de que os ribeirinhos devem receber do Brasil um tratamento diferenciado dos demais países. Com aqueles, diferentemente destes, deve-se estabelecer uma política franca e liberal, pautada na reciprocidade, sem a cobrança de impostos de trânsito e sem a limitação de passagem de navios de guerra. Por fim, a seção entendeu que adiar a abertura do Amazonas até que o Brasil tenha solucionado suas pendências com os países ribeirinhos não conflita com sua postura perante o Prata, visto se tratar de mera questão de tempo para adoção das medidas preliminares.
Dois anos depois, em 1867, com a tríplice aliança e a consequente obtenção da neutralidade junto aos países ribeirinhos, o Governo Imperial assina um decreto em que determina a abertura do rio Amazonas à navegação internacional. Esse decreto foi assinado cinco meses após a morte de Paulino, o que demonstra a forte influência do seu pensamento e da sua política diplomática, ainda que post mortem (TORRES, 2011).
5. Conclusões
Diante da notável vida política do conservador Paulino José Soares de Souza, com passagens por quase todas as esferas da vida pública à época imperial, é possível perceber a importância fundamental da sua atuação em relação à construção do Estado Nacional Brasileiro. Contudo, apesar do seu destacado desempenho em todas as atividades a que se prestou realizar, é impossível deixar de notar o seu excepcional dom e brilhantismo nas questões internacionais.
Durante os períodos em que chefiou os Negócios Estrangeiros ou em que pertenceu ao Conselho de Estado ligado à pasta internacional, o Visconde de Uruguai foi responsável pelo desfecho positivo do longo contencioso diplomático com a Inglaterra acerca da extinção do tráfico negreiro e, também, peça determinante no encerramento da Guerra do Prata.
A sua influência no estabelecimento de uma doutrina diplomática do governo imperial brasileiro nos assuntos de limites, pautada no uti possidetis, foi responsável pela manutenção do território colonial. A tese que afirma que, sem a sua atuação diplomática, o território do Brasil hoje poderia ser bem menor não é apenas possível, como é defendida pela maioria dos historiadores.
Paulino rodeou em torno de si diversos homens de mérito, de inteligência excepcional e largo conhecimento sobre os assuntos estrangeiros. O envio de sua rede de colaboradores de alto nível em missões diplomáticas a todos os países da América do Sul com o fim de negociar tratados de fronteiras e termos para as navegações dos rios interiores foi fundamental para a vitória brasileira no Prata, para a delimitação definitiva dos limites do Império do Brasil e, também, para a solução da questão amazônica.
No Amazonas, conseguiu conter o expansionismo norte-americano e europeu e, ao sul, a busca pelo predomínio argentino de Rosas, isso sem visar conquistas e qualquer tipo de dominação política ou econômica sobre os territórios vizinhos. Pelo contrário, conforme ficou claro no parecer de 1865 sobre a abertura do Amazonas à navegação internacional, Visconde de Uruguai tinha uma ideologia bastante nacionalista e americana, no sentido de priorizar os ribeirinhos do Amazonas em prol dos demais países do mundo.
O norteador dos seus ideais era a integridade política e territorial do Império. Neste sentido, foi um dos mais importantes líderes do partido conservador, que acreditava que, com a centralização, seria possível defender o Brasil dos interesses expansionistas externos e manter a sua unidade territorial. Por este motivo que João Camilo Torres (1968) defende que foram eles, os conservadores, os verdadeiros construtores do Império.
O tema do conservadorismo é latente e diretamente conectado à influência que Visconde de Uruguai teve sobre a criação e consolidação da política externa do Império, uma vez que Dom Pedro II era abertamente vinculado às teses conservadoras que idealizavam um verdadeiro projeto de desenvolvimento nacional. Já àquela época Visconde de Uruguai buscava a determinação brasileira frente aos demais países do globo e perseguia o objetivo de transformar o Brasil no que hoje pode-se chamar de um Global Player. Percebe-se, desta forma, o papel do admirável estadista do Império, Visconde de Uruguai, na construção do Estado Nacional Brasileiro e de sua política externa. Constata-se, também, a influência direta do seu pensamento nacionalista na política e no pensamento constitucional brasileiro da atualidade.
6. Referências Bibliográficas
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Autores
Mariana Luz Zonari
Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Autora do livro "O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares - Desafios para a Democracia entre as Nações". Autora de diversos artigos científicos e capítulos de livros. Pesquisadora do CNPq no grupo de pesquisa intitulado Energia Nuclear - Aspectos Legais e Geopolítica da Atualidade. Advogada no escritório de advocacia Albuquerque Pinto Soares Vieira Advogados. Proficiência na língua inglesa, nível avançado na língua francesa e nível intermediário na língua espanhola.
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
procurador do Município de Fortaleza, doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt
é coordenador da Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
FONTE:
ZONARI, Mariana Luz; LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. A questão amazônica e a influência da atuação diplomática do conservador Visconde de Uruguai para a consolidação da política externa do Império do Brasil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4864, 25 out. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/51720>. Acesso em: 26 out. 2016.
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