segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Leia a íntegra do discurso de formatura de Getúlio Vargas

FABIO VICTOR
MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO

Em 25 de dezembro de 1907, aos 25 anos, Getúlio Vargas foi o orador da sua turma na formatura na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre.

No discurso, de 41 páginas, exalta as virtudes da civilização grega, e, num tom cientificista e rebuscado, por vezes delirante, passeia por biologia, psicologia, filosofia, economia, arte e direito. Defende que a escravidão foi importante ao progresso do homem e ataca o cristianismo, em trecho citado por Lira Neto na recém-lançada biografia"Getúlio" (Companhia das Letras).
Preocupada que a peça fosse usada por detratores do pai, a filha Alzira doou o discurso à Fundação Getúlio Vargas com recomendação de que não fosse divulgado, o que não impediu o biógrafo de consultá-lo. Leia a seguir a íntegra do discurso, que preserva a ortografia original de 1907 e eventuais erros do documento original.
No texto datilografado que está nos arquivo da FGV há trechos rabiscados e/ou incompreensíveis, os quais serão identificados abaixo com espaços pontilhados.
Colaborou Sonia Maria Bertochi

*
Eis nos chegados ao termo da jornada.
Atomos perdidos no mundo dos phenomenos, uniu-nos a transitoriedade d'um instante para a realisação d'um grande ideal.
Quizestes que nesse momento augusto eu vos dirigisse a palavra de despedida. E eis me aqui. É possível que, a estas ideias, nem sempre será dado uma repercussão sympathica na tecla de vossos pensamentos; mas nem mesmo eu pretendo arrastar a vossa responsabilidade no que for chocante ao vosso modo de comprehender a vida e as coisas. Feris-vos-á, às vezes, no correr d'este discurso a apparencia d'uma contradição; justificavel aliaz se differenciardes entre o que affirmo como numa convicção pessoal e o que apenas registro como uma tendencia da humanidade em sua marcha evolutiva.
Alem da............ mente excusar-me-à, a vossos olhos, a escassez de tempo que me foi permittido para tracejar estas linhas nos curtos intervallos d'uma vida atribulada.
Antes da dispersão definitiva, lembrei-me de lançar uma evohé vibrante de enthusiasmo, como synthese dos ardores juvenis que se não abatem pela acidia acabrunhadora dos fracos, guardando a nobre postura d'um gesto glorioso em desafio ao futuro.
Occorreu-me fallar-vos d'essa vida como uma expressão mesma da lucta, isto é, a lucta como expressão da vida e a expansão vital como criterio das acções.
Adistrictos, porem, na ordem moral pelas restricções imprescindiveis à vida collectiva, apparece-nos no direito a coação social regularisadora d'essa lucta.
Impoem-se-nos, pois, como o postulado d'um dever social, combater todas essas instituições que tentam desnaturar a vida, deformando a natureza humana.
E acodem-me estes versos de Leconte de Lisle, entresachando a ideia na serenidade olympica do verso parnasiano, para cantar a alegria do viver:
L'inepuisable joie emane de la vie;
L'embrassement profond de la terre et du ciel
Emplit d'un même amour le coeur universel;
Foi assim que a sentiram e praticaram os filhos da Hellade -- a eterna fonte de sabedoria humana.
Quanta harmonia nas suas manifestações vitaes, como se a embalasse em sonho magnifico numa eterna visão de mocidade.
A Grecia era a terra predestinada para as grandes idealisações da vida alegre e forte. A natureza grega não se asphyxiava sob essa exhuberancia transbordante de seiva das regiões equatoriaes. Não possue essas assombrosas torrentes pluviaes, sombreadas pelo tronco lanceolado dos vegetaes gigantescos, a rolarem escachoeirando para a bacia immensuravel dos oceanos, nem o esbatimento longinquo das grandes cordilheiras, atufando nas nuvens os cabeços esbranquiçados, adormidos em secula sonho de gêlo. Nada que dê a impressão monotoma das cousas impereciveis.
Tudo é proporcionado e comedido. A vista apanha a feição nitida dos objectos, a ondulação serena das coisas, atem-se à analyse subtil do que o rodeia. Bosques sagrados de loureiros onde perpassam em caprichosas sinuosidades, sobre o iriado leito de pedras multicores, regatos murmurosos e limpidos.
Costas vastissimas em relação à pequena area do terreno, lanceradas numa variabilidade infinita de golfos e bahias, portos e ancoradouros, onde o velho mar bonançoso vem quebrar as ondas glauceas desafiando o espirito aventureiro dos conquistadores.
Um bello ceo azul de pureza innegualavel predispunha-os para a alegria e amor. O grego era essencialmente pantheiota: tinha a adoração d'essa natureza radiosa que, sob todos os aspectos, lhes fornecia os mais bellos elementos para uma expressão superior da arte e da vida.
"Pouz le grec", diz Renam, "la nature est une conseillére d'elegance, una maitresse de droiture et de vertu."
Desde tenros os filhos da Hellade desenvolviam-se na gymnastica, nos jogos e corridas, em marchas e exercicios, adestrando-se para a lucta e para a victoria.
E, quando reuniam-se todos os gregos no cyclo annual das olympiadas, disputavam premios os mais bellos typos da especie humana --destros, elegantes, flexiveis; desenvolvuta de gestos e naturalidade de movimentos; pelles tanadas pelos soes, feixes de musculos retezados, deixando adivinhar titanias d'esforços, num corpo de masculinidade impecavel. Foi também este povo de athletas que elevou a inteligencia humana a um grau de cultura até agora inatingido.
Na sciencia, na philosophia e na arte o genio especulativo dos hellenos investigou todos os problemas, tomando pontos de vista originaes, constituindo systemas e desenvolvendo theorias que tem descendentado a ancia de saber da humanidade. Não se entregavam a desvarios abstractos pesquisando alem das nuvens o mysterio da vida, nem esterilisavam-se em sonhos mysticos, ensimesmando-se num subjectivismo desfibrado e exangue.
Raciocinador curioso e activo, dotado de grande plasticidade intellectual, abalançava-se a todos os ramos do conhecimento, desde a aridez transcendental da mathematica, até as soberbas epopeias onde ficou impresso o cunho imperecivel d'uma raça, desapparecida na condenada histórica mas, lançando um desafio à immortalidade em remigio soberbo de aguias do pensamento o espirito critico paradoxal e analytico perdurou sempre entre os hellenos. E, annos depois, quando a aguia romana já havua estrangulado a liberdade d'esse povo exepcional foi ainda a percuciente analyse da escola de Bysancio que fragmentou a harmonia asphyxiante do dogmatismo catholico.
A pleiade immortal de seus philosophos e scientistas desde Anaximandro, Democrito e Epicuro, até Socrates, Platão e Aristoteles, bastou para considerar como insuperavel, até agora, o poderio intellectual dos gregos, confirmado por este conceito do proundo Taine: "Ils pensent pour penser, et c'est pour cela qu'ils..... fait les sciences. Nous n'en construisons pas une aujourd'hui qui ne s'appuie sur les fondements qu'ils ont posés".
Meditando sobre as creações immortaes dos hellenos, esse hallucinado genial que se chamou F. Nietzche desenvolveu uma theoria original da arte que é tambem uma concepção da vida --a alma Dyonisaica e a alma Apollinea, a jovialidade e a belleza.
A vida forte e superabundante, poderosa e alegre, energica e viril --eis a alma Dionysaica. A belleza do traço, a pureza da linha, a serenidade da expressão --eis a alma Apollinea.
Os deuses gregos eram como que desdobramentos de força cosmica, ou manifestações das energias latentes da natureza. Eram ideaes de arte. Fortes e bellos, impassiveis e soberbos. O grego, filho dilecto d'uma natureza encantadora e polymorphica, talhava ao seu molde Deuses de plastica impecavel, onde se estampava o admiravel senso artistico d'esse povo privilegiado.
Roma vencedora tornou-se ancilea submissa da Grecia escravisada, polindo-lhes a rudeza de barbaros na arte e philosophia hellenicas.
E foi mais tarde sobre a soberba ruinaria da civilização greco-romana que desabrochou a flor morbida do pessimismo christão. O visionario rabino da Gallileia, nascido n'um solo adusto, fustigado pelas ardentias da canicula, onde um povo escravisado sacudido pela nevrose mystica, apellava para a esperança de Messias salvadores, pregava religião da abstinencia e da renuncia. Annunciava-se o aniquilamento do mundo tetanisado pelo soluço d'uma agonia universal. O christianismo foi uma religião provisoria, medida de proximo salvamento para os filhos de Israel, purificando o corpo pelo jejum e pelo flagício para derrancar as raizes do pecado.
O amar aos outros surgiu como uma formula egoista, "interessada no desinteresse alheio" e a esmola é uma esperança de salvação, creditada noa ctivo da bemaventurança. A concepção monistica da philosophia grega foi substituida por esse dualismo absurdo, sobre-carga da maioria dos erros e prejuizos da intelligencia humana.
A alma, immaterial e abstracta, saudosa de sua patria celestial, tentando desinvencilhar-se do seu envolucro constrictor, a materia. O ideal christão era o anachoreta fanatico, guedelhudo e faminto, vivendo d'hervas e d'insectos.
A moral christã é contraria à natureza humana que ella desfigurou pelo flagicio e o ascetismo. Procurando resolver o problema da felicidade, eriçou de espinhos a estrada para chegar a ella. A morte é a aspiração suprema e a vida um castigo.
Aconselhando o desprezo aos bens materiaes estimulou a malandrice, formando essa turba de mendigos vagabundos que assolou a idade-media. Uma piedade aviltante, fazendo a apotheose da fraqueza e da miseria, sopeava os grandes surtos da personalidade, o desdobramento das justas ambições da vida para um ideal superior de força e de energia. Um singular descaso pelos bens terrestres, torna o christianismo inimigo da civilização, desprezando as grandes conquistas progressivas da humanidade em todos os ramos do conhecimento.
Beati pauperes spiritu --e a ignorancia é alcandorada como um principio onde a estupidez e a humildade são condições para a vida celestial negada aos espiritos que investigam e que criam.
Christo, preocupado com a salvação celestial, menosprezou a familia, como a todos os bens da vida. E, os bellos quadros, estadeando a vossos olhos a intimidade de suas relações domesticas, não passam de ficções poeticas que os dados historicos desmentem.
Esta religião desnaturou a grandeza da sexualidade, a força propagadora da especie a união dos seres numa transfusão de magnetismo amoroso, considerado como um commercio impuro. A mulher amesquinhada, ser inferior, serpente tentadora do mal.
Não comprehenderam a grandeza d'essas relações, a eleição de dois seres que se impressionam, duas vidas numa só vida, cellula da familia que é a base da sociedade.
A mulher fonte inspiradora da poesia e do amor que alguns espiritos reduzem a uma planimetria commoda, sobre a qual se comprazem em gizar paradoxos originaes.
A mulher que não é inferior nem superior ao homem, porque é differente d'este, porque o completa é a eterna companheira da vida, cujo grande olhar luminoso transbordante de promessas, dissipa os nossos dissabores.
Somente ella, com a radiação de sua intelligencia finamente analytica, com a sua intuição artística, poderia oppor-se à lenta agonia da religião. mas, reppellida da igreja onde só lhe permittem o papel passivo de penitente, a religião alijou de si o melhor alimento que poderia mantel-a. O catholicismo foi uma lucta impotente contra a natureza humana.
E, como bem observa Eugene Veron... "o christianismo muito menos converteu o mundo do que foi convertido por elle. Quando elle tornou-se semelhante ao mundo este o aceitou." A prova d'isso tem-se na sua forma actual, apotheose da hypochrisia e do sophisma, pela completa descolação entre o modo porque os sacerdotes actuam sobre a sociedade e as ideias que pregam.
Ao diluir-se a civilização romana com a lenta infiltração dos barbaros, o velho mundo abysmou-se nessa epoca sombria de quasei uma dezena de seculos, em que se deva uma fermentação abscondita, pela reintegração de novos typpos ethnicos que se formavam. Arrebatada no vortilhão das transformações, diluia-se a consciencia collectiva das raças, pela intervenção de variados componentes na formação de novos precipitados.
Sob a pressão da harpia pontificia, a Europa escabujava mordida pela tarantula do fanatismo religioso; mysticismo sombrio que fazia contorcer-se na lenta agonia das labaredas o thaumaturgo bronco dos maleficios como o esclarecido eresiarcha do dogmatismo catholico. Na mão dos monges a arte desnaturou-se em hieratismo exangue, d'um convencionalismo incaracteristico.
E quando, na ancia continuada de saber, a humanidade quiz alargar o horizonte do conhecimento, teve de reatar a cadeia partida da civilização antiga, inspirando-se na arte grega e bysanthina, na sciencia arabe e resuscitando Aristoteles e Epicuro.
O progresso não se fez com o christianismo, mas o fez apezar d'elle. Não se o progresso seja o ginete de Mazzeppa.
A evolução soffre desvios em sua marcha, tem oscillações e transviamentos, mas, não pode ser jugulada. Existe um determimismo historico. E quem quizer pezar a somma de nossos conhecimentos, ou escrever a historia do desenvolvimento scientifico, não irá certamente compulsar a summa Theologia de S. Thomaz de Aquino mas, deter-se-a ante os nomes de Gallileu e Goirdano Bruno, Newton e Laplace Kant e Haeckel, Comte e Spencer.
A religião é suggestão do ignotto. O homem primitivo tinha na faixa envolvente do meio a escola da esperiencia.
Aquecendo-se á luz radiosa do sol fecundante agradeceu, a um poder sobrehumano aquella dadiva de prazer. Fustigou-o a inclemencia das tempestades, o ribombar do trovão, a chispa fulminante do raio, a devastação sphyngica das pestes, fazendo estendaes de cadaveres e, num movimento instinctivo de pavor, sacrificou novas victimas para aplacar a cólera divina. mas a humanidade, adstricta á percepção de phenomenos que elaborava na consciencia, incapaz de uma representação além de suas proprias formas, creou os Deus á sua imagem, affeiçoou-os ao seu sentir, atribuindo-lhes os seus vicios e as suas virtudes. (Deus culpado por permittir aos homens a pratica do mal e inculpado e valvula escapatoria do livre arbitrio que lhes concedera).
E o anthropophormismo é a forma normal do pensamento. Pouco a pouco surgiram as formulas creadoras da magia, os symbolos da divindade, o ritual solenne da prece e a estreitesa do dogma. Uma classe foi investida da zelosa vigilancia dessas representações materiaes da crença. E os sacerdotes, então, aproveitando-se da indistincção primitiva do direito, da religião e da morla enfeixaram nas mãos o mysterio da existencia, encarceraram o pensamento, complicaram as fórmulas e exigiram a obediencia absoluta.
A luta do pensamento tem sido agora para quebrar as algemas que elle mesmo forjou. Sempre que pela applicação do methodo experimental, ou da resenha cuidadosa dos factos se induz uma verdade nova surge a religião negando-lhe o placet em abstrusa contradita ou na exegese dos palimpsestos, encontra a existencia virtual dessa vaidade e desenvolve-a em austuciosos elasterios, emprumando a omnisapiencia da Biblia.
Antigiremos, porém, a época em que o pensamento se atenha no campo restricto da phenomenalidade á investigação modesta dos factos observaveis á decantada positivação dos conhecimentos? O objecto proprio da metaphysica será algum dia banido como assumpto de investigação dos espiritos? quem o garante? A deficiencia de nossos meios cognitivos não pode estabelecer infrangiveis raias a que o pensamento do futuro deva obedecer. O dogmatismo scientifico é tão nocivo como o dogmatismo religioso. Certamente o rigorismo do dogma, o ritual e aspiras fórmulas disciplinadoras das acções tendem a desapparecer de todo sob a analyse percuciente do criticismo gnostico. Mas, as idéas e sentimentos persistirão pela verdade que encerram.
Poeira luminosa e impalpavel transmittindo-se às gerações e, como a taça do rei de Thule, guardando no fundo o segredo das alegrias pessadas e o travor das amarguras. O incognossivel por isso que o é, continuará impassivel, a sciencia não quebrará o sello do eterno mysterio porque, na phrase do poeta de Chanaan, nossos olhos não podem abordar a visão do infinito.
Mas nem por isso as locubrações do cerebro humano no terreno teleologico serão defesas. Quem descer ao fundo querendo desvendar-lhe os arcanos, embora não attingindo a esse fim, pode contudo trazer a perola de uma pequena verdade. (Abandonando o termo metaphysico, chamem-na numa accepção mais modesta metempirica, podem-se tirar conclusões logicas e formar hypotheses admiraveis mesmo sem confirmalas com o methodo experimental). Darwin investigando a origem das especies, observando-lhes as multiplas variações, impressas indelevelmente nas concreções calcarias das epocas desapparecidas, notando-lhe a simplificação e unidade crescentes para o passado, ergueu essa extraordinaria theoria do transformismo, que revolucionou de fond en comble a sciencia do seu tempo, esbatendo completamente o velho sonho biblico da creação paradisiaca.
Com maios ou menor extensão, a metaphysica persistirá porque, conforme o conceito de Guyan, ella é a expansão suprema e inevitavel da vida indivisual, tendendo a restabelecer sua unidade com a vida universal.
Que é a vida? Qual a natureza da materia que a fez palpitar no obscurantismo impenetravel das épocas primevas? Ignoramos.
É possivel que na mistura cahotica das formações geologicas originarias na mesma fermentação dos lagos estagnados pelo calor da terra esbra...., o encontro da materia sob fórmas especialissimas e infinitamente simples désse lugar á primeira manifestação vital. É possivel. Pasteur não demonstrou a impossibilidade da geração espontanea. Desfez apenas o erro generalisado que, de qualquer particula liquefeita, surgissem sempre seres vivos. Como affirma Le Dantec "Pasteur mostrou que, empregando certas precauções, podem collocar-se certos meios ao abrigo da invasão vital, eias tudo." Depois quem poderia reconstituir as condições ambientes que deram logar ao surto da vida primitiva.
A vida caracterisa-se por uma lucta tendencia para a harmonia e para o equilibrio. Augusto Comte, commentando Alamville, diz que a harmonia entre o ser vivo e o meio correspondente caracterisa evidentemente a condição fundamental da vida. Vem Spencer e completa-o, pois a vida é isso mesmo; é a combinação definida de mudanças heterogeneas ao mesmo tempo simultaneas e successivas em correspondencia com as consequencias e sequencias externas, ou mais simplesmente - é a accomodação acontinua das relações internas com as relações externas. Assim a vida propriamente não se define, caracterisa-se. A vida é uma manifestação do movimento, um modo de ser da materia. O seu principal característico é a assimilação, a absorpção nutritiva do organismo.
Por isso diz Lefèvre a vida é um movimento de endosmose e de exasmose entre as paredes de uma celula.
O equilibrio vital consiste exactamente nessa correspondencia com o meio tal qual o explicou o grande philosopho britânico partindo das modificações da materia sob a actuação das forças e da habilidade das relações dessas forças pelas reações organicas.
uma planta das charnecas para planta-la no acline corrugoso duma escarpa e ella perecerá ou sob o influxo de outro meio soffrerá uma modificação estructural para adaptar-se ás novas condições ambientes. A complexidade do meio descerá com a do organismo, desde a fórma simplista do verme vegetando na obsucirdade lobrejada materia decomposta até a trama maravilhosa dum organismo humano, a mais adiantada floração da espercie animal.
Mesmo entre os homens o meio complica-se acompanhando os desenvolvimentos da inteligencia e as exigencias de temperamentos, variando entre o rude camponez adstricto ao horizonte physico de sua aldeia e a organisação e emotividade do super-civilisado vibrando com todas as grandes commoções da vida universal. Assim a vida perfeita seria ainda a perfeita correspondencia. A cada modificação externa do organismo corresponde uma alteração intima, como diz Spenser.
Attinge-se a esse equilibrio pela luta sob as suas mais variegadas fórmas: desde a distincção reciproca dos micro-organismos que pullulam em um corpo á labuta diuturna do homem procurando vencer no seio da collectividade e o esforço dessas mesmas collectividades, procurando alastrar pelas nações mais fracas e menos povoadas a riqueza pletorica dos productos excedentes ás suas necessidades.
Vencerão, pois, os que pela plasticidade das relações internas poderem melhor adaptar-se ás modificações externas. A victoria nem sempre pertence ao mais forte, physicamente fallando, mas, ao mais apto, isto é, ao melhor aparelhado para a lucta com o meio, e dispondo de mais variados recursos.
Se interrogarmos a sciencia sobre o grande todo que nos envolve, quaes os primordiaes agentes formadores desta crescente complexidade, ella nos responderá que tudo se reduz á força e materia. Mas o que são ellas em si; como se distinguem, qual a natureza de cada uma? Ignoramos. São duas manifestações indissoluveis d'um mesmo todo. Pas de force sans matière, pas de matière sans force, diz Buchnersão puros signaes graphicos para a compreensão commoda dum mesmo phenomeno.
Duas abstrações mentaes a que um impenitente erro dualista procura arvorar em essencias distinctas. A força nós distinguimos pelo movimento como uma série successiva de sensações tactis, musculares ou visuaes e a materia como obstaculo á sensação de resistencia. Todos os nossos conhecimentos se reduzem a sensações. As imagens, os sentimentos, as idéas, a nossa concepção da vida e do mundo são manifestações da capacidade sensorial. Por isso na phrase luminosa de Taine o homem é um feixe de accusações. A cousa em si, a natureza intima dos factos é o eterno noumenose, o incognossivel perenne, o eterno fugitivo ante o qual a imaginação phantasia, a intelligencia se desespera e a vontade entorpece no ambito intransponível de sua relatividade. Tudo se reduz a manifestações internas de phenomenos externos. O meio exterior oblitera-se atravez a percepção dos sentidos, imperfeitos reflectores d'um mundo illusorio. A phrase de Schopenhauer - o mundo é uma representação do meu organismo, é justo considerando as nossas percepções das cousas como symbolos do que nos occupa. O mundo não se reduz, porém, às nossas sensações, porque então chegariamos ao absurdo de Berkeley negando a realidade exterior. Esta existe mas, como diz Herzen, nós só a percebemos da maneira pela qual a effectuam os phenomenos que têm logar dóra do espirito.
Passa-se do mundo inorganico para o organico por gradações quasi insensiveis. Mas a maioria dos organismos possue um caracteristico especial que o distingue especificamente dos corpos brutos, é a força nervosa. Esta que attinge no homem ao seu mais alto desenvolvimento é a razão explicativa de sua superioridade.
As perturbações exteriores levadas aos centros nervosos produzem os phenomenos da consciencia. Sobre os dados da consciencia, em geral, se tem baseado a construcção da sciencia psychologica, cujo extraordinario desenvolvimento será talvez um dos caracteristicos do seculo. Ha um alluvião innumeravel de factos deduzidos da observação e estudos dos phenomenos mentaes, sobre que se tem lançado muita luz, em monographias brilhantes, minnuciosas pesquizas e pontos de vista originaes. Falta ainda um espirito que as coordene numa grande synthese, dando-lhes uma classificação geralmente acceita. Existem numerosos estudos sobre o mecanismo das sensações, sobre a memoria, sobre os effeitos da imaginação, associação das idéas, sonhos, somnambulismo, a hallucinação, a loucura, hypnothismos, etc.
Dessa pleiade gloriosa de philosophos e de sabios basta citar Stuart Mill, Spencer, Bain, Georges Sevres, Wundt, Nackerot, Ribot, Taine, Paulhan, Sergi, etc.
As arrojadas tentativas de psychologia quantitativa da medida dos phenomenos mentaes feitas por um Wundt, Ferhun, Delfouys, Foucanll, von Brisvrelet e outros.
Consultemos os entendidos a vêr o que nos dizem sobre a consciencia. Não é bem firme este...... onde ha não poucas obscuridades, muitas produzidas por uma terminologia dubia.
Lançae os olhos cobre um quadro e estabelecereis, primeiro, uma relação de differença entre os objectos que o circundam, em seguida uma relação de semelhança com os objectos da mesma especie. É a primeira classificação mental que fareis e a ella quase que se reduz todo o mecanismo do pensamento.
Perceber um objecto é classifical-o entre os seus semelhantes. Tudo se reduz a semelhanças e differenças, são dois estados correspondentes, dois polos contratios. Donde definição de Spencer: "Toda acção mental, considerada sob seu aspecto mais geral, pode se definir a differenciação e a integração continua de estados de consciencia".
Entretanto para Herzen a consciencia é a phase desintegrativa do funcionamento nervoso emquanto a reintegração é o repouso da consciencia ou a passagem para o inconsciente como dormimos.
Ao investigarmos um facto elle se nos apresenta às vezes cheio de lacunas, com pontos obscuros cujo nexo causal nos falta; abandonamol-o preocupados com outros phenomenos da vida diuturna e, dias depois elle reapparece completamente esclarecido com as arestas esbatidas numa luminosidade transparente pela elaboração fecunda do subconsciente. O estado consciente é o momento actual do eu. A ligação desses differentes estados intervallados forma a consciencia total ou paneste.......... Assim a consciencia como observa Kant é uma synthese, uma força interior que une e assimila as representações diversas. A vida resulta da estructura material do corpo, duma disposição especial das moleculas. E assim como a vida do organismo é o resultado de uma assimilação e duma desassimilação funccional do mesmo modo a inteligencia é um effeito desse phenomeno. O nosso interior é incessante renovado. Sob a influencia de causas diversissimas, a consciencia stagnada é consciencia morta. Não existe. O individuo nunca pode ser o mesmo. A actuação de causas diversas tem de produzir resultados differentes. Mas cada transformação que soffremos, no dizer de Le Dantec, registra-se no organismo, pelas modificações que representa e constitue a memoria. Uma lesão material aniquila o pensamento a destruição de uma parte do cerebro, onde se localisa certa ordem da idéas, as extingue, logo o pensamento é um resultado da matéria. O eu é a unidade do organismo no dizer de Mandesley, é a ligação do physico com a moral ou antes, na phrase de Herzen o eu psychico é a expressão do estado do eu physico.
A sciencia verificou com dados irrecusaveis a coexistencia simultanea que a toda vibração nervosa corresponde uma actividade psychica e vice versa e dahi conclue que certas vibrações psychicas são a condição physica infallivel dos phenomenos mentaes.
Logicamente a sciencia recusa a existencia da alma como uma essancia indestructivel e julga-a uma simples illusão anthropocentrica. O individuo fazendo de si o ponto de referencia universal, não pode imaginar-se como não existindo e concede essa immortalidade aos outros homens como semelhantes a elle, negando-a aos animais porque são differentes.
O livre arbitrio é uma estultice de que hoje ninguem mais cogita. A consciencia de uma cousa attesta unicamente a existencia dessa consciencia e não a veracidade do que ella affirma, precisa a confirmação dos factos. Antes que Gallileu houvesse desfeito a illusão geocentrica, todo o mundo julgava que a terra era fixa e tinham a plena consciencia disso. E a sciencia na sua ancia continua de dissecção e de analyse chega ás consequencias ultimas do experimentalismo, batendo de cheio contra as hypotheses obsoletas da belha metaphysica, diluidas na rocha dos preconceitos. Ataca a ideologia dos fluidos, da força vital, das faculdades dos cerebros, existindo como poderes abstractos, capacidades virtuaes, como essencias distinctas e imponderaveis. A palavra pode se reduzir no conceito de Taine a particularidade que tem um facto de ser continuamente seguida de um outro. O substractum da nossa psyche nada mais é que série de phenomenos aos quaes damos as denominações de sansações, imagens, recordações, idéas, resoluções, etc. O eu e suas faculdades considerados em si como entidades são puros phantasmas do espirito, alimentando-se pela força verbal da expressão.
Tudo se reduz a possibilidades, isto é, a simples relação entre acontecimentos possiveis ou verificaveis. Mas se isto até certo ponto satisfaz a nossa sêde de conhecimentos, como explicar essa série maravilhosa de factos, hoje inegaveis, que se produzem extra-muros da consciencia? Nada mais ha alé do funccionamento cerebral? E sempre observavel a correlação psycho-physiologia? O pensamento é um eterno prisioneiro da duvida. A figura tragica de Hamleto é uma das mais profundas creações do espirito humano.
Como explicar a permanencia da personalidade, atravez o renovamento continuo das moleculas cerebrais? Como de um meio infimo e ignaro pode surgir um genio? E como se explica que este privilegiado da especia possa reproduzir a estupidez inappellavel? Como, a par de grande similitude physica d'uma creança com seus antepassados, ha, ás vezes, uma completa disparidade de inteligencia e sentimento? a muitos se afigurará facil a resposta; outros tracejarão sobre o assumpto tropos de rethorica ou paginas litterarias de esmerado lavor, mas a sciencia ainda não resolveu o formidavel in pace.
Equilibramo-nos no escorregardio declive das hypotheses.
E que são esses maravilhosos phenomenos da subsconsciencia surgindo espontaneamente no somno ou na vigilia, sem nenhuma intervenção ou esforço pessoal, nos estados conscientes da intelligencia illuminada? La Fontaine compoz em sonho a fabula Deux Pigeons. Goethe, o Fausto em longos annos de intervallo, deixando á subconsciencia a profunda elaboração desse poema genial.
Citam-se por milhares esses extraordinarios casos em que o individuo parece agir sob uma influencia exterior, o que fazia dizer A. Muooet:
On ne travaille pas, on écoute, on attend
C'est comme un inco.. qui vons jarle á l'oreille.
E a familia immensa das nevroses, hysteria, cuja grande mobilidade sumptomatica não permitte a perfeita caracterisação clinica pelo nexo causal de uma relativa fixidez de manifestação? Os interessantissimos casos observados sobre as alterações da personalidade, hypnotismo, sonambulismo e outros, não podem ser explicados por simples analogias pathologicas, que nada dizem sobre a natureza intima dos phenomenos.
A faculdade que possuem certas pessoas, por uma clarividencia especial de aprehenderem a diversos phenomenos que se passam no tempo e no espaço, fóra dos nossos meios normaes e especiaes de cognição, a exteriorisação da motricidade, a observação de objectos erguendo-se pa distancia, pennas ou lapis escrevendo sem sustentacula apparente ou sem intervenção do medium, a acção á distancia de uma faculdade organisadora ou desorganisadora da materia, o fakirismo ou educação de vontade, a transmissão do pensamento, a faculdade mediunica são casos extranhos que têm atrahido as inteligencias mais poderosas da época, como William, Croakes, Aksakof, de Rochas, Maxcovel, Richet, Lombroso, Geley e muitos outros. Enfim todos esses phenomenos, mais restrictamente chamados de occultismo e espiritismo, sobre os quaes já procuram fundar um novo systema de philosophia, de religião e de moral, que têm desvairado tantas intelligencias en............ pelo véo da loucura, e que tão longo pabulo offerecerem ás explorações da charlatanice.
Para explical-os Gustavo Giley e Grasset levantam a hypothese da coexistencia de dois psychismos de natureza e origem differentes: um inferior producto do funcionamento, da collaboração simultanea de ambos resulta a consciencia normal, ambos pertencem á subconsciencia, mas o psychismo superior é que desempenha o papel de direção e centralisação. O psychsismo superior é inteiramente separavel do organismo, é o que elles denominam ser subconsciente, não depende do corpo, podendo agir sobre elle desorganiza-lhe a materia constitutiva e reorganisal-a sob fórmas differentes. Como se vê é uma bella hypothese metaphysica mas, admissivel como tal.
Todos esses factos principalmente de telepathia e suggestão que ennumerar seria fastidiosos, fustigaods pela caturrice dos sabios e pelo exorcismo fatidico dos papas como obras demoniacas, permaneceram, durante seculos adstrictos ao papel modesto de auxiliares da magia, nos admiraveis passes de malabaristas e de prestidigitadores por espanto das turbas boquiabertas. O estudo acurado que se tem feito desses casos apparentemente inverosimeis, destina-lhes certamente uma extraordinaria importancia no futuro, quando estiveram enfeixados na classificação racional de uma determinada especie de phenomenos perfeitamente conhecidos.
Como com grande justesa observa Fialho de Almeida - "A medida que Deus perde terrenos, e emigra dos ceus, simplicando o seu typo até ás dimensões de um vulto epopeia, de creação anonyma, como tantas outras creações da phantasia humana, vae-se a organisação do homem complicando, obscurecendo, enaltecendo, num labyrintho das mais inquietadoras modalidades."
O velho materialismo estreito e dogmatico cede o passo a uma renovação idealista, repontando nas diversas manifestações do conhecimento. Na philosophia dá-se a revivesencia de uma especia de neokantismo e... demasiado elasterio á theioria da evolução, a par de precipitadas generalisações, tidas como consequencias logicas da philosophia monista, não passando porém, de naus desarvoradas, oscillando no brumoso mar da metaphysica.
Em sciencia depara-se-nos a cada instante uma surpresa, um facto estranho e inesperado; se o occultismo de um lado, aproveitando os phenomenos do magnetismo animal, procura conseguir a materialisação das imagens, vemos, de outro, a descoberta do radio bater ao pólo opposto - a desmaterialisação da materia, affirmada por Gustavo Le Bon, que, contrariando o principio de Lavoisier, lança a arrojada proposição "nada se crea e tudo se destróe", derrocando os fundamentos de toda a sciencia contemporanea.
Ha um pedantismo letrado, uma mania geral de sicntificismo.
Agrupam-se factos esparsos, para facilidade de estudo, por um pendor de claresa e de methodo sem que sobre elles se possa fazer previsões, nem estabelecer leis naturaes e fixas e levam-nas á altura de sciencias.
O exagero das theorias lombrosianas quasi reduz o genio a uma secreção morbida, a superioridade intellectual, a clarividencia a espirito, a visão nitida das coisas, a uma fórma de degenerencia, epileptisando o pensamento, explicando a força do espirito pela debilidade do corpo.
As grandes, as poderosas criações do espirito e do coração eram reduzidas a manifestações pathologicas, e seus autores incluidos na grande familia dos nevropathas.
O mundo tinha lampejos tragicos d'uma sala de hospital.
Os homens movem-se como titeres ao empuxão irresistivel das taras num fundo sombrio de theatro ibsiano. As intelligencias inferiores, não podendo acompanhar o surto das grandes mentalidades no romance, na poesia, no theatro, procuram imitar-lhes as falladas excentricidades emotivas, os trucs de effabulação. E vae dahi esse pastiche detestavel, essa preocupação obsedante do bizarro, do exotico, do exquisito, dando a impressão réles d'um brica-a-brac de puerilidades.
Obras ephemeras, feridas d'inicio pela chlorose esterilisante das coisas postiças. Ao lel-as guarda-se apenas, momentaneamente, a recordação sonora das rimas, como ao sacudirse um chocalho de guizos sem nenhuma emoção profunda e duradoura, um só sentimento verdadeiro, enseivando as raizes no... fecundante da vida. Comprehende-se a agonia do desespero, o esforço torturante em busca de emoções nunca sentidas, esmiuçando-se as abjecções das miserias mundanas, as repugnantes torpsesas da Missa Negra, nesses espiritos blasés, gastos no refinamento das velhas civilisações precocemente embotados pelo esgotamento nervoso no solo exhausto da velha Europa. Mas na America onde a vida e a natureza ainda têm recantos virgens, podendo entrar como poderosos contribuintes para uma arte original e propria é deprimente esta assimilação da intelligencia, esta vergonhosa capitulação. Há numerosas, ha edificantes excepções que não preciso ennumerar. A arte deve voltar-se para as grandes, para as bellas manifestações da vida. A alma do artista deve ser um luminoso prisma onde se venham refratar todas as manifestações da vida universal, tendendo a um ideal superior em beleza e energia.
Lancemos uma vista retrospectiva e vejamos o resultado desse subjectivismo sombrio. Essa introspecçao dolorosa, essa analyse doentia das proprias sensações, a obsessão torturante da duvida, a eterna duvida, manto negro do tédio desdobrado sobre o Universo, é que faz as naturezas timidas, displicentes e fatigadas; vontades claudicantes e entorpecidas, não podendo transpor a barreira para uma affirmação pletorica da vida.
Tal será muitas vezes para uma energia vacillante o fructo do estudo desses mysteriosos phenomenos de espiritismo, ou a impressão de profundo pessimismo colhida na leitura empolgante d'um Mirgeau, d'um Huysmans, d'um Ibsen, d'um Dostoevesky.
Bem sei que o feio e o bello são igualmente dignos da expressão artistica. Mas não é com essa turba exangue de forçados da existencia que se ha de constituir a humanidade amanhã e cada um pode escolher o que mais lhe sabe para as expansões salutares da vida, preferindo respirar o oxigenio salitrado das brisas maritimas em vez das emanações pestilentas dos charcos. Se é respresivel o sentimentalismo piegas dos romanticos, também o é essa analyse da personalidade humana, essa em si mesmação dolorosa e esteril. O homem deve voltar para os lados numeroso da vida saturando-se de energia e de belleza.
Tenho a recordação clara de que já li esta phrase - o homem forte não é o que nega sempre, mas o que sempre affirma. Se as fulgurações da consciencia nada mais são do que interrompidos pontos luminosos, succedendo-se com a intercadencia de fogos-fatuas na ensombrada noite da subconsciencia, que nos resta fazer?
Fortificar a unidade do organismo, equilibrar as necessidades morais com as exigencias physicas, imprimir o seu cunho pessoal das variadas manifestações da existencia, individuar-se sempre. Assim como no mundo physico o progresso se effectua, segundo a lei da divisão do trabalho por uma continua especialisação de funcções dá-se no mundo moral na ordem das idéas uma continua realisação do conhecimento. O horizonte esbate-se dando-nos as proproções do infinito.
O estudo de uma modalidade do corpo humano exige que se lhe dedique o esforço de uma existencia intima. E nada a conhece profundamente. Na vida moderna tudo tende a ser summario e rapido. As noções das causas chegam-nos abreviadas e claras. Ha e já é um esforço quasei impossível conhecer-se igualmente toda a sciencia do seu tempo, ha sempre uma especialisação em certa ordem de conhecimentos. Seja um bem ou um mal - é um facto. As exigencias theoricas de um puro racionalismo são impotentes para oppor-se á marcha incoercivel dos acontecimentos e as necessidades insophismaveis da existencia.
Haja embora uma lucta continua, um esoforço de cyclope a cada nova acquisição na ordem dos conhecimentos, erguendo syntheses luminosas, para dar uma explicação da vida do Universo. Mas todas ellas espiritualismo, positivismo, materialismo ou idealismo são extremamente transitorias e breves.
Sobre o terreno movediço das theorias erguem construcções soberbas, impecaveis na ordem logica abstrata do pensamento, porem, diluindo-se a cada instante ao contecto transformador de novas inducções. Não ha syntheses definitivas como nada ha de definitivo sobre a terra. Tudo é imminentemente passageiro, ha apenas continuas remodelações, a maior parte das vezes produsidas pelas generalisações de nossas impressões pessoais. Uns encaram apenas o lado tragico a face lugubre das cousas e desdobram sobre ellas o manto negro de um pessimismo insuportavel; enquanto outros enchergando o mundo pela face optimista da fraternidade e do amor, visionam no futuro a aurora boreal de uma humanidade regenerada por aquelles sentimentos. O pessimismo é o desespero dos impotentes. Julgam ser o despreso da vida exactamente o que n'elles constitue o reconhecimento da propria fraqueza pela interinidade de sua existencia, pela estructura de seus meios cognitivos. E se quando essas carpideiras da dôr como Shopenhauer pregam suicidio universal pela renuncia pelo ascetismo, entregrar-lhes um revolver, elles recusarão imediatamente iniciar por si mesmos a obra de aniquilamento collectivo. Ha ainda os optimistas sempre risonhos comodamente satisfeitos com o estado de cousas presentes que, si não são perniciosos como os primeiros, são pelo menos tão inuteis.
A felicidade não póde ser dos que se occultam na torre de marfim dos idolos olvidados nem dos que lascéram as carnes nos espinheiros que semearam na vida pela esperança problematica de uma existencia paradisiaca. O natural, o instintivo é fugir a dôr e buscar o praser. O soffrimento pelo soffrimento, a volupia da dôr é própria dos fracos e dos timidos. Esse sentimento quando inevitavel deve ser sempre um meio e nunca um fim. A felicidade tambem não póde consistir na longa tranquilidade dos lagos estagnados. a vida mais feliz não é a mais longa, mas a mais intensa; os dusentos annos de um microbio não valem os trinta e tres de Alexandre, tambem ha productividade em actos, no bello dizer de Nietzsche. A vida intensa é a do homem que soffre e ama, trabalha e pensa e actua; recebe e transmitte impressões, lucta, dirige, governa e vence. É integração do individuo em si mesmo, a eurithimia do ser, caracterisada pela luminosa synthese de Taviller; no maximo de poder para actividade, o meximo de consciencia e de conhecimento universal para a intelligencia o maximo de goso para a sensibilidade, o verdadeiro equilibrio do ser.
Essa expressão da vida é criterio natural das acções.
Ella se effectua pela victoria dos mais fortes, dos mais capazes, dos mais aptos. A vida é a expressão da lucta. E a lucta é a formula de bronze com que a naturesa selecciona as cousas sob a acção inflexivel do meio.
A natureza dizem os sabios é um campo de batalha. Feixes de atomos em continuo movimento, luctando pelo transitorio equilibrio forma a materia cosmica. A propria existencia do que nós chamamos corpo é o resultado d'um esforço entre a substancia e o meio.
O seixo preso á apparente placabilidade dos socalcos do monte resiste a actuação corrosiva e transformadora do ambiente. Desde os animalculos infinitesimos, vivendo de sugar o protoplasma d'um infusorio; desde as implacaveis chacinas travadas na arena do corpo humano, pela acção destruidora dos microbios, tentando subverter a economia do organismo mantida pelos phagocytos até a complexidade inextricavel das mutações sociaes, ha a fatalidade inflexivel d'uma lucta: Existir é luctar.
No momento genesico onde dá-se uma como que diastase organica, filtrando atravez o corpo, unifica-os dois factores para a palpitação d'um novo ser, trava-se a lucta de dois elementos para a composição do patrimonio hereditario derivados dos ancestraes divergentes. Desenvolve-se a resultante d'uma combinação chimica luctando com o meio para a conservação das qualidades particulares transmittidas. Um mantem e outro modifica: é a hereditariedade e a educação. A persistencia das qualidades individuais, atraves das modificações do ambiente, constituem, no conceito de Le Dantec, a hereditariedade, em sentido amplo. Mas o organismo individual é o reflector inconsciente em indelevel impressão do facies circumjacente. Vence fazendo concessões - educa-se. A creança tacteia ao acaso n'uma curiosidade insoffrida, para se por ao facto do mundo que a rodeia.
Mas, o individuo recapitula abreviadamente a vida da especie. Esta, portanto, durante epocas sem conta, deveria tactear, na lobrega obscuridade de sua grande noite collectiva, n'uma continua lucta procurando adaptar-se para viver melhor.
Rompendo-se o equilibrio productor da vida entre as relações internas e as externas, o organismo perece. No terreno strictamente biologico toda a morte é violenta, como o demonstra Le Dantec. Apenas o agente aniquilador pode escar á nossa percepção. Um homem é abatido pela mão vigorosa de seu semelhante e reconhecemos, certo, a violencia da morte pela percepção de seu nexo causal; se o mesmo perecer pela ancianidade é que o organismo enfraquecido após um combate de dezenas de annos, com a enfibratura lassa e as veias deplectas não mais resistiu a acção destruidora das myriades de agentes infinitamente pequenos que o venceram na lucta pela existencia. Emendemos - existir é adaptar-se.
O homem venceu aos outros animaes porque era mais intelligente, isto é, mais apto; soube melhor servir-se das condições variadissimas do meio, empregadno-as com vantagem na lucta. A medida da intelligencia afere-se pela rapidez da comprehensão. O typo mais inteligente é o d'aquelle cujo sensorium intellige com mais rapidez. Houve um tempo em que - a força do braço era o limite do imperio, na incisiva phrase de Oliveira Martins. os outros animaes, bateram-se corpo a corpo, directamente, disputando a posse da terra.
O homem apropriou-se dos corpos brutos, affeiçoou-os ás suas necessidade, empregando-os como auxiliares passivos da lucta. Entalhou o silex na extremidade do madeiro e conteve o arrojo de seus inimigos, retesou o arco flexível e fez silvar a flecha certeira, paralysando a corrida do habitante agil das florestas e o vôo celere dos passaros; extendeu a trama enganadora das rêdes e apanhou o incola fugitivo das aguas. O progresso se fez lentamente. Quando o homem não mais eliminou os vencidos, mas escravisou-os, deu um grande passo. Primeiro a domesticidade dos animaes deu-lhe um alliado prestativo, e deu-lhe alimentação segura e abundante. Não eliminaram o prisioneiro de guerra - absorveram-no, isto é, filtraram-no atravez o agrupamento social. Reduzido ao captiveiro foi um animal de carga mais intelligente, encarregou-se dos misteres inferiores da vida, arou a terra que proliferou em larga messe de beneficios. O captiveiro hoje prejudicial a economia dos povos e incompativel com a civilisação foi n'aquelle tempo um progresso. Com a agricultura o homem enraizou-se no solo, as tribus nomades tornam-se sedentarias, as cabanas transformam-se em cidades. Educado na escola das provações acostumou-se a poupar para resistir á penuria e teve a abundancia, affeiçoou a natureza ás exisgencias crescentes da vida social e vieram as industrias, mutuou os productos superabundantes do trabalho e estabeleceu o comercio e formou o capital. Mas, desde as depredações guerreiras das sociedades primevas ressaltaram na lucta os mais aptos, fortes, audazes e inteligentes.
Das vantagens dessa direcção urgiu a necessidade de mantela - eis o governo. A lucta não é a desordem, é a obediencia dos inferiores aos superiores, é a subordinação aos mais capazes.
Houve necessidade de manter a ordem no seio do agrupamento social regularisando a lucta em proveito commum - appareceu o direito.
O poder social constrangeu os membros do agrupamento a sujeitarem-se ás regras de conducta indispensaveis á vida collectiva; - formou-se o Estado. O Estado é a coação social systematisada para regularisar a lucta no interior e manter a soberania do paiz no exterior. A lucta economica produziu a riqueza, as sciencias, a organisação politica. Ao seu lado como forma correlata desenvolveu-se a lucta genesica.
A especie humana urgida pelas fecundas solicitações da sexualidade procura desdobrar-se para o futuro, em porções infinitas de si mesmo na serie das gerações. O amor esthesia do gozo, ebriedade da imaginação, transbordamento da sensibilidade é tambem uma forma da lucta pela selecção do bello. Nesta especie de lucta, desde que não haja intervenções dissolventes, prejudiciaes á natureza e á vida, vencerão os mais bellos typos da raça, mais vigorosos, intelligentes e saudaveis. Certos passaros rodeiam a femea, estadeando o deslumbramento offuscante das plumagens, provocando a eleição do mais bello. Os passaros travam-se em desafios empolgantes, ora amorzando languidas sonatas, ora sacudindo as vibrações sonoras do ambiente em tonalidades claras de clarim matutino, vencendo na lucta amorosa, o mais inspirado typo de artista o torturado panagyrista da natureza. Entre as melhores perfeições lapidares da linha e do contorno, a lucta offerece aspectos variadissimos. A virtuose tranteando ao piano uma aria de Beethowen, o cabello em trunfa, preso ao ambar de um grampo, o olhar languido, o seio a arfar como a modulação cadenciada da vaga é a mais gentil das luctadoras, despertando a victoria pelos atractivos do corpo e as graças do espirito. A lucta genesiva, o amor é a fonte eterna inspiradora da poesia, da litteratura e das artes. Da lucta economica surge a riqueza, a organisação politica, o Estado. Um estado é vencido por outro, e os vencedores enriquecem, empolgando as posições lucrativas, emquanto, os vencidos refogem para os ultimos degraus da camada social. Estes tomam a si o encargo das producções; os vencedores aproveitam os lazeres para a assimilação mental, formam a classe dirigente, a elite intellectual, a aristocracia de aristos - os melhores.
Na guerra tomam o commando dos exercitos, na paz governam e distribuem a justiça, formam o costume e impoem a moda.
Mas a aristocracia enclausurada na rigidez dos preconceitos esterilisando-se pelo exclusivismo genealogico das castas, enfraquece e é destituida dos privilegios pelos mais aptos, intelligentes e energicos, formando a verdadeira elite, a classe directora, continuamente renovada, accessival á todos os individuos que se salientam pela capacidade. Attinge-se ao mais elevado grau de progresso, os sentimentos amenisam-se, a dignidade humana é amplamente garantida pelas leis, a liberdade individual expande-se em todas as direcções, e a consciencia extende o circulo do conhecimento e da curiosidade de saber.
Tenho para mim como certa a distincção de Nivicow para explicar o progresso das sociedades humanas, entre o Estado e a nacionalidade. O Estado é a forma externa, o complexo das normas reguladoras, a ossatura, o arcabouço do organismo social. A nacionalidade é o cerebro.
As grandes nações que chegaram ao apice da montanha no transcorrer da curva do progresso são as que attingiram á phase da nacionalidade. A intensa elaboração intellectual e economica deu-lhes o logar de honra no concerto mundial.
A nacionalidade é o maximo desenvolvimento das qualidades productoras, a integração completa da consciencia collectiva, conseguida após uma......... organica. É uma combinação superior na meta-chimica dos sentimentos, pela interferencia de elementos variaveis e complexos como a diversidade dos cruzamentos, a identidade de lingua, tradições, costumes, litteratura, o meio cosmico e social.
Embalde os cientistas e sociologos estafam para precisar o significado da palvra raça que se esbate n'uma acepção lendaria de mytho. Não há raças puras. Ha apenas differenciações nacionaes, resultante do caldeamento successivo de varios agrupamentos ethnicos.
Por isso não pode impor-se como foros de verdade irrecusavel a commoda theoria das raças predestinadas, superiores e fortes, ao lado das raças inferiores e ineptas, descambando para o fatal aniquilamento de sua propria incapacidade organica.
Os paízes como a Inglaterra, Alemanha, França e mais proximamente Estados Unidos, Japão, Russia e Italia retraçando no mappa da civilisação a directriz da politica internacional, são resultantes de cruzamentos a directriz da politica internacional, são resultantes de cruzamentos ethnicos, diversificados, attingindo á phase da nacionalidade mas, não constituem raças. Esse alto grau de cultura e potencialidade productora explicam-lhes a razão da actual superioridade, mas, não demonstram a inaptidão dos povos que não collimaram o mesmo stadio de civilisação, que não é patrimonio de nenhum paiz e antes de irradiar de Londres, Paris e Berlim floresceu na bacia do Nilo, na Chaldeia e no Euphrates, nas costas do mar Archipelago e nas margens do Tibre.
A palavra raça cuja importancia é mais biologica do que social somente pode ser empregada em referencia ás grandes divisões da especie humana.
Mas mesmo entre estas não prevalece o criterio da superioridade. A raça amarella, parecendo petrificada na rigidez d'um sonno millionario, revivesceu, no despertar do Japão assimilando em menos de 50 annos toda a velha cultura europea e fazendo estremecer o continente n'um calafrio de assombro ao infringir tremenda derrota ao formidavel molosso moscovita. Os africanos, segundo a opinião corrente nos paises colonisadores condennados a destruição como inadaptaveis ao progresso, parificados a intelligencia rudimentar dos orangos, entretanto affastados desse meio, os seus descendentes immediatos no Brazil e Estados Unidos se tem elevado a altura de invejaveis talentos, pondo amarellos risos de despeito na orgulhsa superioridade dos aryanos. Os gregos após o haverem sacudido o jugo da Turquia barbara, volvem-se desassombradamente ao trabalho, perlustrando todos os ramos da actividade humana, naquella movimentação continua e ininterrupta que fez dos hellenos o primeiro povo de seu tempo.
A Turquia desnacionalisa-se visivelmente solapada pela actividade assombrosa dos descendentes de Pericles que se apoderam da industria, commercio, emprezas bancarias, navegação, que mantem com esmero o estudo da lingua grega, o culto de um passado, a glorificação dos heroes de sua independencia.
Os turcos recuam do littoral, refogem para o interior, adstrictos a um commercio rudimentar feito em pequena escala, ou renascendo a instabilidade da vida erratica volvendo-se a phase pastoril.
Vasa fluctuante sobre um mar revolto será talvez propellida até o fundo sombrio e esteril das estepes da Asia Central. Dir-se-ia que os turcos são padrões vivos da inferioridade das raças. Entretanto despenhando-se com a força irresistivel d'uma avalanche já possuiram quase toda a bacia do Mediterraneo. Mas permanecendo chumbados a grilheta de uma religião fatalista, imprevidentes e madraços, guedam-se na pasmaceira hieratica da predestinação sonhando o gozo immortal da bemaventurança com a cabeça reclinada sobre o seio morno e ondulante das urys.
O fanatismo religioso que foi a razão de sua grandeza, é hoje a trama inextricavel que lhe servirá de sudario. Mesmo as nacionalidades actuaes não podem alcandorar-se a sobranceira inegualavel d'uma orgulhosa superioridade. Os Allemães que repellem os polacos para Leste impondo-lhes a sua differenciação ethnica, e absorvendo-lhe o territorio, vem por sua vez recuando do Tyrol, assimilado pela expansão da cultura Italiana e emigrados para os Estados Unidos, desnacionalisam-se fundindo-se no typo Yankie. O Brazil ainda não é uma nacionalidade. Está mesmo longe de o ser. Vivemos da absorção da cultura extrangeira, economicamente dependendo das nações extrangeiras que manufaturam a materia prima de nossas industrias. Imitamos a litteratura creada pelos europeus, estudamos a sciencia por elles elaborada e vulgarisamos a philosophia que elles pensam. Na vida brasileira trava-se uma lucta sombria procurando o equilibrio e a integração do typo nacional.
Diz Graça Aranha: "Ha uma tragedia na alma do brasileiro, quando elle sente que não sedesdobrará mais até o infinito. Toda a lei da creação é crear a propria semelhança... E a tradição rompeu-se, o pae não transmittirá mais ao filho a sua imagem, a lingua vae morrer, os velhos sonhos da raça, os longiquos e fundo desejos da personalidade emudeceram, o futuro não entenderá o passado." É desolador scepticismo do brilhante romancista. Os povos se desnacionalisam por causas complexas como a preeminencia da lingua, da cultura, da lingua, dos costumes e tradições, pelo numero dos invasores, pela diversidade de ideas e sentimentos doutro povo. O Brazil é um paiz novo achando-se ainda no periodo retardado em que o organismo somente absorve e assimila, para depois produzir. Mas já actualmente possuimos demonstrações brilhantes de aptidão e capacidade em todo so ramos da actividade humana, realidades insophismaveis que são garantias seguras de exito futuro. A lucta impõe-se e impossivel é recusal-a-o isolamento é a morte. Abramos os braços ás grandes correntes emigratorias que procuram o trabalho e a felicidade na riqueza superbundante do nosso solo. Acceitemos a lucta franca, lucta sem treguas coagindo-os a vir colaborar em nossa cultura, a interessar-se pelo nosso progresso, a amar as gloriosas tradições da historia brasileira. Nós venceremos porque somos os mais numerosos e os mais aptos pelas condições maiores em o meio cosmico. A instrucção é a cultura do espirito desenvolvendo as faculdades intellectivas para o conhecimento das condições especiaes do paiz e o interesse civico pelas suas instituições é um dos mais poderosos elementos de nacionalisação. A instrucção publica primaria que nem sempre tem obtido a merecida solicitude por parte dos governos, sendo de justiça assignalar-se entre honrosas excepções o Rio Grande do Sul, onde de accordo com a mensagem passada ha mil e muitas escolas providas absorvendo quase tres quintas partes da renda annual.
Deve ser, porém de rigor ensinar-se a lingua nacional que no conceito de Novocow - é a synthese expontanea das faculdades mentaes d'um povo. Dessa riquissima lingua portugueza cuja grande plasticidade de expressão formou escriptores ao molde de Ruy Barbosa, Euclydes da Cunha, Raul Pompeia e Machado de Assis, manejando a penna como quem trabalhasse a burl formas estatuarias. É em essa argamassa que havemos de plasmar a nossa nacionalidade vindoura, integra e poderosa. Os velhos sonhos da raça, os fundos desejos da personalidade não se esbaterão de encontro a rigida impassibilidade da esphynge do futuro scindindo a ligação com o passado. A consciencia nacional ha de integrar-se n'uma espiral luminosa, pela uniformisação dessa trajectoria que vimos percorrendo de 7 de Abril á 13 de Maio, da guerra do Paraguay á 15 de Novembro, onde é patente uma explosão victoriosa da medulla nacional dilatando a existencia dessa fecunda elaboração subterranea e que se poduz na alma dos povos. Era a alma brasileira, alma erratica, lyrica e sonhadora transmudando-se em vibração epica, como os velhos guerreiros gaulezes, cujos escudos, sob a refracção do sol das batalhas oscillam em movimentos rithmicos, acompanhando o canto laudatorio ao Deus da guerra que é a synthese da alma batalhadora da Patria.
A celeridade da vida contemporanea, sedenta de emoções desde que se surge já não se coaduna mais com a permanencia dos liames constructores de familias patriarchaes. E, da mesma forma que se não afere hoje as realções de amisade entre os povos pelos vinculos consanguinimidades das casas principescas reinantes.
Tambem não predominan as affinidades de raça como padrões de sympathia e causas de aproximação nas relações internacionais.
A feição dessas relações caracterisa-se pela intensidade da lucta economica e pelas exigencias intellectuaes da vida contemporanea. O apparente desinteresse na permuta de cortezias entre dois Estados é, a mais das vezes, a pesquiza de um mercado consumidor para a produção superabundante. Ha muito mais cordialidade de relações entre o Brazil e os Estados Unidos, do que, por ex. entre aquelle e a Hespanha, apezar de pretendermos descender do ramo latino-iberico porque? É que as simples affinidades de raças não são motivos sufficientes para a constituição dos vinculos sociaes, ante a complexidade crescente da vida moderna. Ao lado dessa exuberante floração da alma nacional existe o Estado, estendendo a rede constrictora das normas coactivas, canalisando as energia em seres dos interesses collectivos, peando as tendencias disparatadas e punindo as acções violadoras das necessidades sociaes.
O papel do Estado, a extensão da somma de poderes que lhe devem ser conferidos para a regularisação da actividade individual é assumpto para o qual não se póde estabelecer um estalão commum e modelar, pela variabilidade das condições, de accordo com o progresso do paiz ou as exigencias especiaes de seu meio physico e social. Neste confuso emaranhado de theorias, jogam as cristas no antagonismo o asphixiante socialismo d'Estado com os exageros ecepticos dos individualistas uniformisados neste ponto ao dogmatismo scientífico dos anarchistas. No socialismo d'Estado, os desvarios communistas braços dados com as chimericas egualitarias alimentam a ingenua simplicidade de reduzir o mundo á estagnação de uma planimetria commoda, combatendo a livre concurrencia e portanto o desdobramento salutar da vida sob o estimulante energico da lucta pela existencia. Bem sei que não é dentro de nossos privilegios burguezes que poderemos avaliar a crise economica assoberbante das sociedades modernas, que o actual estado de cousas não satisfaz os espiritos; mas a panacéa igualitania embora conseguisse realizar-se seria insustentavel pela desagregação imediata, apparecendo sempre o gavião dominador a espavorir o rebanho timido das pombas. Não será esse o meio de sanar a crise, mas deve existir um outro.
Aristoteles a verdadeira igualdade consiste em tratar desigualmente os seres desiguaes.
Da mesma forma a sciencia, a litteratura e as artes sempre desenvolveram-se bafejadas pelas auras francas da liberdade e da concurrencia, atrophiando-se desde que intervem a mola perra da rotina e dogmatismo official.
O excesso de fiscalisação por parte do Estado, avocando a si trabalhos que podem ser feitos por iniciativa individual, prejudica o desenvolvimento do commercio, da industria e das artes, abate as energias individuaes, enfraquece a lucta pela existencia. E, a mais das vezes, extorque as economias de uma parte da população que não aproveita essas vantagens para beneficiar a outras. O Estado não deve ser professor nem irman de caridade. Eis porque a escravidão, os privilegios e monopolios são nos paizes que attingiram as fazes superiores do progresso, verdadeiras excressencias sociaes contrarias ás leis da natureza. Na Inglaterra as sociedades scientificas e litterarias são completamente livres, mas este paiz é a terra classica das garantias liberaes, aquem Garret denomina -
Patria da lei, senhora da Justiça,
Canto da foragida liberdade.
É de se felicitar ao Rio Grande do Sul na exiguidade relativa de seus meios, já tomando a si a iniciativa de fundar uma academia livre. Assim o idéal de nosso Estado, seria o que se restringisse a garantia, a ordem, manter a justiça e dar liberdade ás expansões sadias das iniciativas individuaes para o desenvolvimento da vida intellectual e economica. Levar além é attingir aos exageros individualista do velho Spencer, collocando o individuo numa posição de inimigo do Estado. Demais, como já dissemos, a esphera de intervenção do Estado varia conforme o progresso e a riqueza de um paiz, e as condições especiaes de seu meio. Um governo fraco, num paiz onde não existe uma nacionalidade formada, digo, um governo, que, dentro do regimem constitucional não tenha competencia para canalizar a vontade collectiva, jugulando os movimentos subversivos, oriundos da indole divergente dum povo sem unidade, é a impotencia para a realisação dos fins sociaes, é uma inutilidade. Eis porque a constituição do Rio Grande do Sul, dentro da perfeição relativa das obras humanas é a melhor que poderiamos obter. Allia a mais ampla liberdade de pensamento e, de trabalho a efficacia de meios para copear as manifestações doentias das collectividades, que, na ordem social podem ser equiparadas ás manifestações pathologicas, rompendo o equilibrio do organismo individual. Absoleta tripartição dos poderes, exposta por Montesquieu, interpretando asinstituições inglezas é o velho bordão da apparencia formidavel, ao qual se anima a sapiencia raza das constitucionalistas que ainda rezam pela cartilha de Pi-y-Margall. Montesquieu, estudando a engrenagem constitucional da Inglaterra, deduziu a divisão dos poderes como regra pratica, norma facilitadora de boa governança, offerecendo mais as probabilidades de garantias á liberdade individual.
Tanto bastou para que estudos posteriores elevassem a regra á abstração dum principio philosophico, impondo-se a priori como condição imprescindivel a todo progresso politico. Defeito natural a outros espiritos tendendo a reduzir o mundo ao horizonte do assumpto em que se especialisam. Exigem-se prodigios acrobaticos para manter o equilibrio dessa tripartição no puro trapezio das theorias porque na pratica é completamente falha. A impossibilidade da separação verifica-se a cada instante nas incursões do executivo no terreno legislativo, deste no judiciario e vice-versa. Julga-se uma força propulsora de progresso o que nada mais é que uma consequencia forçada da lei geral da divisão o trabalho, uma differenciação de funcções, causada pela evolução normal dos organismos politicos.
Assim essa divisão não pode ter um numero predeterminado e sim, como regra pratica sujeitar-se as condições de variabilidade de accordo com as exigencias do meio ou com mais precisão, segundo diz Horkonow "A liberdade não é garantida por esta ou aquella distribuição entre essas funcções mas, pela distribuição entre differentes instituições das funcções do poder. Essas distribuições podem variar dum momento a outro". Esses poderes tanto podem ser quatro, como podem ser dois. E na oppinião de varios tractadistas e entre elles Barthelemy o poder judiciario nada mais é que um ramo do executivo. Theoricamente pouco importa que o poder judiciario seja um desdobramento do executivo ou um poder distinto, exige-se apenas que os juizes pela inamovibilidade e vitalicidade possam exercer as suas funcções desassombradamente. A legislação do Rio Grande offereceu-lhes seguras garantias.
A concepção duma lei sempre cabe a um individuo, os outros discutem e votam.
Que importa se a assembléa legifera, desde que as leis ficam dependentes do referendum dos conselhos municipaes os representamentos mais directos lidimo, interesses do povo?
Entretanto, a independencia do legislativo fica plenamente garantida pois as suas decisões não estão sujeitas ao veto do executivo. Rompendo com previlegios arraigados nos preconceitos scientistas extingiu a exigencia de diplomas academicos como prova de capacidade estabelecendo a liberdade profissional, como a revolução franceza extinguia os previlegios das corporações de officio da época medieval, garantindo a liberdade industrial. Essas duas tendencias antagonicas que vimos de assignalar, o socialismo de Estado e os exageros dos individualistas, unem-se ás vozes em hybridismo chocante, patenteando as manigestações caracteristicas dum desvario collectivo. Recente agitação politica, neste estado levantou pela imprensa uma nação contra pretendidas liberdades a se estiolarem sob asphyxiante pressão governamental e, logo depois, batiam palmas a um candidato á presidencia, que se apresentava na arena agitando um programa administrativo que seria quando muito, optimo padrão de um governo socialista de futuro, onde descia até a determinação da especie de actividade que o individuo deveria escolher na sua vida privada.
Se, das relações do poder publico para com os individuos, ascendermos á consideração das luctas entre as collectividades, o horizonte alarga-se em desmesurado scenario, e a vista confusa se obscure e desvaira no enastramento complexo dos phenomenos.
É uma causa productora de erros a teimosia impenitente de pretender explicar o entrelaçamento dos factos sociaes pela applicação rigorosa das leis relativamente simplistas, induzidas da observação experimental dos phenomenos biologicos. Vem d'ahi a insistencia em se querer estabelecer como leis de direito internacional as normas reguladoras da actividade individual. Este assumpto em conciso e profundo artigo desenvolveu-o João Raymundo da Silva Neto, um talento robusto, possuindo a fibra innata dos pensadores. Escolheremos o seguinte trecho:
"Dos factos da civilização................. se infere limpidamente este dilema inflexivel - individua-te ou perece. Ou as nações imprimirão aos phenomenos que são a expressão de sua existencia, as cores de seu sangue, o signo decisivo de sua vitalidade ou haverão de irrem......silvemente sucumbir, arrastadas na marcha fatal da historia. O vendaval quando se desencadeia, azorragando a floresta não indaga se a sua furia se confina nas arestas de um systema de regras; nem inquire o vulcão, ao projectar no esçaõ a sua lingua de fogo. Ha de ser eternamente um ludibriado o internacionalista que talhar preceitos consoante o criterio pelo qual se formulam as normas reguladoras das relações civis."
Embalde o medroso egoismo de uns, embalde o puro sentimentalismo inocuo de outros plangerá lamurias ou lançará exorcismos contra o phantasma truculento da guerra-carcoma voraz triturando a cêpa da vinha humana. A guerra é porem, um facto complexo, variadissimo, as vezes revivescencia hereditaria e evanescente. da impulsividade destructora que arremessava umas contra outras as velhas organisações tribaes. Hoje, maiormente phenomeno teologico, fim especifico de expansão economica ou preponderancia politica, mas guardando sempre um fundo impulsivo na resultante dos desejos e vontade humanas.
Mesmo aos que se afigura possivel a applicação das regras de proceder das relações privadas á conducta das nacionalidades, o desapparecimento das guerras é tão difficil como a completa extinção dos crimes; os casos de pathologia individual são connexos aos de pathologia collectiva.
A fallada melhoria dos sentimentos humanos, as mais das vezes é uma illusão accrescida pela maior complexidade da alma contemporanea, mais vazia, mais susceptivel de disfarçar a malignidade de intenções buscando de continuo um derivativo aos instinctos criminosos na diversidade dos meios que se offerecem ao exercicio da actividade privada. Insistimos - a grande plasticidade dos organismos sociaes torna repetidamente fallivel a applicação d'um methodo commum.
Alem disso a formação de cathegorias logicas para a integração da consciencia collectiva, se dilue a cada passo, na mistura de uma hereditariedade cahotica onde stractificações discordantes, elementos diversificados, fazem, ex- abrupto, ressurgir intactas na alma collectiva dos povos reminiscencias ancestraes da ferocidade instinctiva das epocas primevas. Demais, na apparente identificação de tendencias sociaes, existem elementos hostis, feridos pelos contra-choque de sentimentos oppostos, ha cristalisações actuaes de estados transactos na civilisação, bem como esgotamentos fataes pela acção dispersiva do meio, como se pode deduzir do estudo de A. Cbide sobre a consciencia social.
Os judeus, por ex., a velha raça fustigada pela inclemencia de Jehovah mantendo as generalidades primordiaes de seu caracter, eternos perseguidos, a parmilharem o solo do planeta, immiscuindo-se no seio das nacionalidades como cellulas inassimilaveis.
A Persia adormecida num entorpecimento millenario, parece viver pelo prisma do passado, sonhando a gloria faustosa do reinado dos Achimenides. Enquanto outros povos, em tribus erradias, vagueiam pelas steppes aridas, diluindo a fibra da nacionalidade, com a inutilidade d'um regato, descendo do alto da montanha, para sumir as aguas infiltrando-as na sede insaciavel d'um deserto de areia. Pondo de parte estas divagações, confessemos que as tendencias pacifistas são bellissimas chimeras, maxime, emquanto nos contentamos com simples declarações sentimentaes. affirmando como unico alimento o "leite da piedade humana". Condemnar não é extinguir. Extinguir as guerras pela imposição da arbitragem será um grande e nobre ideal mas, as feceis previsões visionando a paz inalteravel do futuro, soffrem repetidamente o desmentido dos factos. Nem se extirpam a traços de pennas sentimentos inveterados na trama inextricavel dos organismos socieaes.
Os congressos de Haya têm permanecido no platonismo do que elles denominam estreitamento das relações internacionaes e, se delles advem inegavel utilidade, dando ensanchas a resolução dos factos de interesse geral, entretanto a extirpação das guerras tem sido apenas um bello ideal pairando muito acima da realidade. E ao desenvolver-se o primeiro congresso já os horisontes toldavam-se com a fumarada das batalhas tramadas no celeste imperio iniciando-se uma das mais formidaveis carnificinas do seculo actual. No ultimo congresso inaugurado em Setembro, enquanto Ruy Barboza impunha ás grandes potencias o reconhecimento theorico da igualdade de soberania, a França e a Hespanha estilhaçavam a metralha as valorosas hostes dos marroquinos, abrindo caminho a civilisação. Mesmo este reconhecimento de parte dos plenipotenciarios de Haya, mostra a victoria de um direito imposto por força de uma maioria occasional, aguerrindo-se pelo interesse commum em torno a essa clava formidavel que é o genio verbal do representante brasileiro cuja palavra tem claridades fulgidas onde parece madrugar a expontaniedade do nosso talento. O apello ao coração nas relações internacionaes é completamente improficuo, enxameiam os exemplos historicos.
E o Brasil comquanto não deseje a guerra precisa estar preparado para as eventualidades de um choque armado, não será n'uma asafama febril de ultima hora, que um exercito de officiaes, guiando uma tropa enthusiasta de recrutas sem disciplina, ha de defrontar a incontestavel superioridade de uma organisação militar perfeita.
A guerra é a violencia e esta uma forma da lucta, mas sem duvida a menos proveitosa. A lucta como expressão do equilibrio vital como forma de adaptação ao ambiente pela seleção dos mais capazes, a proporção que se eleva na escada social, vae expungindo a violencia, a qual só se recorre em casos extremos quando se não antolham outros meios para a realisação do mesmo fim. O homem busca o praser e a felicidade com o desprendimento do menor esforço possivel. Ora a violencia atrae a violencia e ha sempre um disperdicio de energias, um desgastamento de forças, cujo resultado seria muito mais proveitoso si é immediato si se não esgotasse nessa actividade destruidora. Eis porque a propaganda vermelha do anarchismo, querendo impôr se pelo terrôr communicativo da dynamite, será repellida com geral antipathia pelo proprio instincto de conservação social.
A menor adaptabilidade as condições do meio e a desproporcionalidade da lucta, evidenciar-lhes-a a impropriedade dos meios que aplicam, a cada tentativa provocando uma reação formidavel e sendo inflexivelmente esmagadas pelo desencadeamento das forças organisadas da sociedade.
A lucta é sem treguas. E se ella procura nortear-se, desprendendo o menor esforço, pelo methodo mais racional e logico, é a formula incompassivel que a naturesa impôr a decifração dos mortaes como a sphunge de Edipo. A lucta é necessaria e indispensavel como expressão mesmo da vida. É ella que faz vibrar a escala chromatica das emoções, a gamma dos sentimentos, que impulsiona o progresso; que no campo aberto da concurrencia dá a probabilidade da victoria, aos meio aptos. A lucta é o amor e odio, o soffrimento e o prasear, o esforço creador da poesia e das artes, da riqueza e da sciencia. A lucta é o rythmo constante de um movimento tendendo ao equilibrio com o meio e obdecendo as eternas leis de bronze de que nos falla Goethe:
D'apres d'immortelles, de grandis
Loid d'airain
Nous devons tous
Accomplir le cercle
De notre existence
O Direito sendo uma manifestação existencial da vida collectiva deve ser comprehendido na formula universal da lucta cosmica; Neste campo do conhecimento, ha espiritos ainda instruidos do velho transcendentalismo metaphysico, onde, como reminicencia das antigas concepções d'um direito divino e absoluto remanecem vacillantes ideais sobre um direito que foge a aplicação concreta como norma de conducta social, retrahindo se com fluido inaprehensivel, para os refolhos absconditos da consciencia.
O Direito assim é mais uma tunica moldada ao talhe de cada compleição individual, e, as maiz das vezes uma confusão do direito com a moral. Já affirmava o venerando Tobias Barreto... "O direito não é um filho docéu é simplesmente um phenomeno historico, um producto cultural da humanidade.
Serpens nisi serpentum comederit, non fit draco; a serpe que não devora a serpe não faz dragão; a força que não fere a força não se faz direito; o direito é a força que matou a própria força.
Expansão da energia individual até onde não pode offender a esphera da actividade alheia - eis a ideia do direito. O direito é uma regularisação da lucta, restringindo a actividade individual em bem do interesse social. Irrompe uma guerra entre dois Estados, pois, a propria guerra é um direito, regulamenta-a; ordena que se respeite aos estrangeiros, poupa aos valetudinarios, ás creanças e as mulheres, prohibe o uso de ballas explosivas para atenuar o soffrimento physico, estabelece as condições dos bloqueios para que a violencia não recaia sobre o trabalho pacifico.
A justiça soluciona o conflicto dos direitos - é a pacificação da lucta, resume-se no.............................. tribuere, dar a cada um o que é seu. Chocam-se as espheras de cção entre dois individuos, cada um atribuindo a si a legitimidade de um direito e, em vez de resolverem pela violencia, pleiteam ante um tribunal que solve pacificamente a demanda.
Se dois Estados, dizendo-se titulares d'um mesmo direito, recorrem a arbitragem esta lhes fará a relativa justiça dando-lhes a victoria pacifica. Mas a paz, expungindo a violencia não implanta a estagnação, é antes a mais perfeita forma da lucta.
A lei do transformismo darwinico estende-se tambem ao direito. A justiça é a victoria do caso mais apto, isto é, mais conforme ás regras juridicas, do direito mais legitimo.
A justiça é uma forma de saneamento e prophylaxia collectiva.
Assim como a natureza seleciona os melhores pela victoria dos mais capazes, tambem os homens têm na justiça uma forma de seleção, chamada artificial porque se não obtem pela actuação das leis naturaes, e expunge os elementos inadaptaveis ao organismo social.
A seleção artificial nada mais é que o resultado da actuação da justiça sobre a collectividade.
Preciso terminar! Nem me é dado mais exorar de vós complacencia para ouvir-me:
Meus collegas: tentei esboçar pallidamente a vossos olhos as luctas que se travam no mundo do pensamento para formar uma concepção particularisada da vida universal e o esforço de cada um para desfraldar a bandeira de sua individualidade no mundo physico. Não sei se o consegui. Isso, porem, é a projeção cosmica do esforço minusculo que vimos de fazer. Chegamos do mundo das ideias e das theorias para firmar a nossa independencia economica e conquistarmos um lugar no banquete da vida. A outros talvez se afigure que existe a voragem d'um abysmo, delimitando a mundos antagonicos -a vida theorica e a vida pratica.
Nós não nos quedamos insulados no torreão, jungidos a uma movibilidade esteril dos desejos irrealisaveis.
É um falso criteior julgar que viemos d'um mundo d'illussões para o decepcionamento cruel da realidade impropiciavel. Não! teremos apenas de rectificar a miudo, falsas noções, ou, algumas vezes, fazer taboa raza d'uma passagem de inuteis conhecimentos para, com armas mais leves, attingirmos ao alvo da clareza e da verdade. Ainda uma vez com satisfação, volvamos a vista aos que bem nos guiaram nessa jornada; a cathedra é um posto de sacrificios.
Sejamos trabalhadores, nobres em nossas acções, rigorosamente justos em apreciar as alheias, sinceros em nossas ideais, affirmando-as sempre com intemerato desassombro e teremos as virtudes praticas e varonis que constituem a medulla das nacionalidades.
Enxameia a colmeia num ruido surdo, onde rugem as vozes sombrias do desespero..... resoam claras hozannahs ao amor, e a humanidade prosegue sacudida na vibração poderosa das grandes sensações em busca da falicidade sempre fugitiva.
O enthusiasmo é a acção.
Lancemo-nos á torrente dos acontecimentos, presos a um grande amor pela vida, guiados pela projeção luminosa do proprio ambiente moral, numa continua affirmação da personalidade.

fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1091097-leia-a-integra-do-discurso-de-formatura-de-getulio-vargas.shtml

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