
Muitos questionam, principalmente os mais
jovens e os frequentadores de bares e boates, sobre os direitos e
deveres dos estabelecimentos comerciais e de seus clientes, considerando
a ausência de informação adequada que cerca o tema.
Neste sentido, o presente artigo busca
tecer esclarecimentos breves e básicos acerca de alguns dos
questionamentos supramencionados, a fim de que mais pessoas conheçam
seus direitos e deveres, seja na posição de cliente ou de gestor de
estabelecimentos comerciais.
Pagamento de 10% na conta
É praxe nos estabelecimentos comerciais,
principalmente em bares e restaurantes, o acréscimo de 10% ao valor
final da conta, popularmente conhecido com "10% do garçom".
De plano, destaca-se que o pagamento do
referido acréscimo não é obrigatório. Este valor cobrado nada mais é que
gorjeta, que pode ser paga ou não, de acordo com a qualidade do
atendimento e a satisfação do cliente. É mera liberalidade do cliente,
que deve pagar apenas se entender que o atendimento do estabelecimento
comercial justifica o pagamento de tal título.
Outro ponto que merece destaque consiste
no fato de que, pelo dever de informação, uma das bases do Código de
Defesa do Consumidor, os estabelecimentos comerciais deveriam informar a
todos os clientes, seja verbalmente, no cardápio ou de qualquer outro
modo, a facultatividade do pagamento do adicional de 10%. Contudo, a
maioria dos estabelecimentos não o faz, contando com a falta de
conhecimento por parte da maior fração da população para que sejam pagos
os valores em questão.
Neste sentido, o art. 5º, II, da
Constituição Federal [1] prevê que ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Assim sendo, por
não haver lei que determine a cobrança deste percentual, seu pagamento
torna-se facultativo.
Frise-se que as Convenções Coletivas de Trabalho que preveem este adicional são válidas apenas no âmbito do Direito do Trabalho, na relação entre Empregador
e Empregado, não possuindo qualquer aplicação com relação a terceiros
alheios à negociação, no caso representados pelos consumidores que
frequentam tais estabelecimentos comerciais.
Consumação Mínima
Outro hábito dos estabelecimentos
comerciais é a cobrança de consumação mínima para ingresso dos
consumidores em suas dependências, principalmente em dias de eventos
festivos.
Neste ponto, duas questões merecem maior
enfoque. Primeiramente, caso seja cobrado um valor para entrada no
estabelecimento e seja ainda estabelecido um valor mínimo de
consumação, verifica-se ser caso de venda casada, em que o fornecedor de
produtos ou serviços condiciona a permanência do consumidor no
estabelecimento ao consumo do valor determinado, embora tenha sido
cobrado valor a título de entrada. Tal prática é vedada pelo Código de
Defesa do Consumidor [2].
Em segundo lugar, a cobrança de consumação
mínima, por si só, ainda que não tenha sido cobrado qualquer valor a
título de entrada, é ilegal, visto que o mesmo diploma legal veda a
possibilidade de se condicionar o fornecimento de produto ou serviço a
limites quantitativos
Assim sendo, a nosso ver, a cobrança de
consumação mínima é ilegal, seja ela cumulada com o pagamento de entrada
ou cobrada individualmente, razão pela qual o consumidor tem direito à
devolução do valor remanescente caso não venha a consumir todo o valor
estabelecido como consumação mínima.
De se ver que alguns Estados brasileiros,
como o Estado de São Paulo, possuem legislação específica que veda tal
prática, além da previsão legal supramencionada.
Couvert Artístico
A cobrança de valores a título de couvert
artístico gera muita polêmica e discussão nos bares e casas noturnas.
Sem adentrar na seara do direito, consumidores não se cansam de discutir
acerca da obrigatoriedade ou não do pagamento de valores a este título.
De início, importante destacar que
o couvert artístico só pode ser cobrado em caso de apresentações ao
vivo. Show exibidos em telões e afins não são considerados apresentações
que permitem a cobrança de couvert artístico. Dito isto, no que tange à
obrigatoriedade do pagamento, esta existe, porém com uma condição. O
valor do couvert deve ser informado aos clientes no momento da entrada
no estabelecimento ou estar afixado em local visível, conforme prevê o
Código de Defesa do Consumidor [3]. Caso contrário, seu pagamento se
torna facultativo, por violação por parte do estabelecimento comercial
ao direito de informação do consumidor.
Importante frisar que o valor do couvert
artístico não deve integrar o valor total da conta para fins de cálculo
do valor dos 10% a serem pagos aos garçons a título de gorjeta, que
devem ser calculados apenas em cima do valor dos itens consumidos.
Multa por perda de comanda
Diversos estabelecimentos comerciais
preveem multas para casos de perda de comanda, muitas vezes em valores
absurdamente altos, se comparados aos valores dos itens consumíveis, o
que acaba por intimidar/coagir o consumidor.
De se ver que a cobrança de multa por
perda de comanda é abusiva. Isso porque o estabelecimento comercial não
pode responsabilizar o consumidor por não ter outros meios de controle
de suas vendas. O ônus de controlar as vendas e o consumo é exclusivo do
estabelecimento comercial, não podendo ser transferido ao consumidor em
nenhuma hipótese.
Caso eventualmente haja perda de comanda e
ausência de outra forma de controle por parte do estabelecimento, deve
prevalecer o princípio da boa-fé, das duas partes, com o consumidor
pagando apenas o valor que consumiu.
Frise-se que a maioria dos
estabelecimentos tem controle eletrônico do consumo de cada comanda,
vinculada ao nome dos clientes ou ao número da mesa, de forma que mesmo
com a perda da comanda há como identificar o que fora consumido por
determinada pessoa ou grupo, sendo mais um fator que justifica a
impossibilidade cobrança de eventual multa.
Importante mencionar que caso o cliente
seja impedido de deixar o estabelecimento pelo não pagamento da multa,
deve entrar em contato com a polícia, visto que a referida prática é
criminosa.
"Entradas" ou couvert
Outra prática comum de estabelecimentos
comerciais, principalmente bares e restaurantes, é disponibilizar nas
mesas algumas "entradas" (couvert), sem que tenham sido solicitadas
pelos clientes, como por exemplo pães e torradas.
Como mencionado anteriormente, é dever do
estabelecimento comercial manter o consumidor sempre informado sobre
valores e serviços a serem cobrados, razão pela qual, ainda que o
cliente consuma a "entrada" fornecida, não pode ser obrigado a pagar por
ela, caso não tenha solicitado ou sido previamente informado de que
seria cobrada.
No entanto, caso o cliente tenha sido
informado da cobrança da “entrada” e não queira efetuar o pagamento,
deve dispensá-la assim que seja entregue à mesa ou simplesmente não
a consumir.
Síntese
Em suma, o pagamento dos 10% na conta é
facultativo; a cobrança de consumação mínima é ilegal; o pagamento de
couvert artístico é obrigatório, desde que o cliente seja previamente
informado de seu valor; a multa por perda de comanda é abusiva; e
“entradas” fornecidas sem que tenham sido solicitadas e/ou cuja
cobrança não tenha sido informada previamente não podem ser faturadas ao
final. Este é o nosso entendimento.
NOTAS
[1] Art. 5º, II, da Constituição
Federal: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
[2] Art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor: Art.
39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras
práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de
serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa
causa, a limites quantitativos;
[3] Art. 6º, III, do Código de Defesa do
Consumidor. Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: III - a
informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem;
FONTE: BECACICI, Diogo. O que pode ser cobrado em bares e restaurantes?. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21,
n. 4756,
9 jul. 2016.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/43894>. Acesso em: 11 jul. 2016.
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