- Dados de pesquisa ocultados pela Folha mostram que a grande maioria dos eleitores quer a renúncia de Temer, o que contradiz categoricamente a matéria da Folha
- 62% dos brasileiros querem a renúncia de Dilma e Temer, e a realização de novas eleições: ao contrário dos 3% inicialmente mencionados pela Folha
- Dados cruciais da pesquisa foram publicados e, em seguida, retirados do ar pelo datafolha: encontrados por portal brasileiro
- Resposta do Diretor Executivo da Folha de São Paulo de que os dados ocultados não eram “jornalisticamente relevantes” não resiste a análise
Na quarta-feira (20), a Intercept publicou um artigo documentando a incrível “fraude jornalística” cometida pelo maior jornal do país, Folha de São Paulo,
contendo uma interpretação extremamente distorcida das respostas dos
eleitores à pesquisa sobre a crise política atual. Mais especificamente,
a Folha – em uma manchete que chocou grande parte do país –
alegava que 50% dos brasileiros desejavam que o presidente interino, e
extremamente impopular, Michel Temer, concluísse o mandato de Dilma e
continuasse como presidente até 2018, enquanto apenas 3% do eleitorado
era favorável a novas eleições, e apenas 4% desejava que Dilma e Temer
renunciassem. Isso estava em flagrante desacordo com pesquisas anteriores
que mostravam expressivas maiorias em oposição a Temer e favoráveis a
novas eleições. Conforme escrevemos, os dados da pesquisa – somente
publicados dois dias depois pelo instituto de pesquisa da Folha – estavam longe de confirmar tais alegações.
Depois da publicação de nosso artigo, foram encontrados ainda mais
indícios – através de um trabalho colaborativo incrível de verdadeiros
detetives da era digital – que revelam a gravidade da abordagem da Folha, incluindo a descoberta de um legítimo “smoking gun” comprovando que a situação era muito pior
do que achávamos quando publicamos nosso artigo ontem. É importante não
deixar que o aspecto estatístico e metodológico encubra a importância
desse episódio:
Semanas antes da conclusão do conflito político mais virulento dos
úlitmos anos – a votação final do impeachment de Dilma no Senado Federal
– a Folha, maior e mais importante jornal do país, não apenas distorceu, mas efetivamente escondeu,
dados cruciais da pesquisa que negam em gênero, número e grau a matéria
original. Esses dados demonstram que a grande maioria dos brasileiros
desejam a renúncia de Michel Temer, e não que o
“presidente interino” permaneça no cargo, como informado pelo jornal.
Colocado de forma simples, esse é um dos casos de irresponsabilidade
jornalística mais graves que se pode imaginar.
A desconstrução completa da matéria da Folha começou quando Brad Brooks, Correspondente Chefe da Reuters no Brasil, observou uma enorme discrepância: enquanto a Folha anunciava em sua capa que apenas 3% dos brasileiros queriam novas eleições e que 50% queria a permanência de Temer, o instituto de pesquisa do jornal, Datafolha, havia publicado um comunicado à imprensa com os dados da pesquisa anunciando que 60% dos brasileiros queriam novas eleições. Observe essa impressionante contradição:

Como isso é possível? Nós entramos em contato com o Datafolha
imediatamente para esclarecer a dúvida, mas como grande parte dos
veículos de comunicação já havia lido nosso artigo e o assunto havia se
tornado uma controvérsia nacional, o instituto se recusou a se
manifestar. Eles simplesmente não queriam nos explicar a natureza da
discrepância.
Mas essa revelação levou a outro mistério: nos dados e perguntas
complementares publicados pelo Datafolha, não havia nenhuma informação
mostrando que 60% dos brasileiros eram favoráveis a novas eleições, como
dizia um dos enunciados da pesquisa do instituto. Parecia evidente que o
Datafolha havia publicado apenas algumas das perguntas feitas aos
entrevistados. Apesar das perguntas estarem numeradas, o documento
contava apenas com as perguntas 7-10, 12-13 e 21. Isso não é
necessariamente incomum ou incorreto (jornais tendem a omitir perguntas
sobre tópicos menos relevantes ao publicar uma reportagem), mas era
estranho que nenhuma das perguntas publicadas pelo Datafolha confirmasse
ou tivesse relação com a afirmação do enunciado da pesquisa. De onde,
então, saiu essa informação – 60% – que contradiz a reportagem de
primeira página da Folha?
A resposta veio através do excelente esforço investigativo de Fernando Brito do site Tijolaço. Primeiro, a equipe do site observou que o endereço URL do documento do Datafolha com os dados e perguntas complementares à pesquisa que foi publicado na segunda-feira – documento citado em nosso artigo original mostrando que a manchete da Folha
era falsa – terminava em “v2”, ou seja, era a segunda versão do
documento publicado pelo Datafolha. A equipe procurou a versão original,
mas não foi possível encontrá-la no site do instituto. Eles
começaram a tentar adivinhar o endereço URL da versão original, até que
acertaram. Embora a versão original tivesse sido retirada do ar pelo
Datafolha, ainda se encontrava nos servidores do instituto, e ao acertar
o endereço URL correto o Tijolaço teve acesso ao documento.
O que foi encontrado na versão original do documento – aparentemente
retirada do ar de forma discreta pelo Datafolha – é de tirar o fôlego.
Ficou comprovado que a matéria da Folha era uma fraude jornalística completa. A pergunta 14, encontrada na versão original, dizia:
“Uma situação em que poderia haver novas eleições presidenciais no Brasil seria em caso de renúncia de Dilma Rousseff e Michel Temer a seus cargos. Você é a favor ou contra Michel Temer e Dilma Rousseff renunciarem para a convocação de novas eleições para a Presidência da República ainda neste ano?”
Os dados não publicados pelo Datafolha mostram que 62% dos brasileiros são favoráveis à renúncia de Dilma e Temer, e à realização de novas eleições, enquanto 30% são contrários a essa solução. Isso significa que, ao contrário da afirmação da Folha
de que apenas 3% querem novas eleições e 50% dos brasileiros querem a
permanência de Temer como presidente até 2018 – ao menos 62% dos
brasileiros, uma ampla maioria, querem a renúncia imediata de Temer.
A situação é ainda pior para a Folha (e Temer): a
porcentagem de eleitores que deseja a renúncia imediata de Temer é
certamente muito maior do que esses 62%. A pergunta colocada pelo
Datafolha era se os entrevistados eram favoráveis à renúncia de Temer /e
Dilma/. Muitos dos que responderam “não” – conforme demonstrado pelos
detalhes dos dados – são apoiadores do PT e/ou querem Lula como
presidente em 2018, o que significa responderam que “não” porque querem
que Dilma retorne, e não porque querem a permanência de Temer. Portanto –
conforme concluído pelo Ibope em abril – apenas uma minoria dos eleitores querem Temer como presidente: exatamente o oposto da “informação” publicada pela Folha.
Essa não foi a única informação ausente que o Tijolaço descobriu quando encontrou a primeira versão dos dados publicados. Como explicam de maneira detalhada,
havia dois parágrafos inteiros escritos pelo DataFolha resumindo os
dados das respostas que também foram removidos da segunda versão
publicada, inclusive a seguinte frase: “a maioria (62%) declarou ser a
favor de uma nova votação para o cargo de presidente”
A equipe também descobriu uma pergunta não revelada – a pergunta 11 –
que é provavelmente a mais favorável a Dilma e foi completamente
omitida pela Folha. O DataFolha perguntou:
“Na sua opinião, o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff está seguindo a regras democráticas e a Constituição ou está desrespeitando as regras democráticas e a Constituição?”
Apenas 49% disseram que o impeachment cumpre as regras democráticas e
respeita a Constituição, enquanto 37% disseram que não. Como a Folha pode
omitir este dado tão surpreendente e importante quando, supostamente,
quer descrever a visão dos eleitores sobre o impeachment?
Ontem, a Folha publicou
uma “notícia” sobre o que chamou de “controvérsia” provocada por nosso
artigo. O jornal se esquiva e, em muitos casos ignora a maioria destas
questões importantes.
O artigo confirma que, ao contrário de sua afirmação anterior de que
apenas 3% dos brasileiros querem novas eleições, “a porcentagem de
favoráveis a novas eleições, no entanto, sobe para 62% nas respostas
estimuladas, ou seja, quando o instituto pergunta explicitamente”. E
incluiu as duas perguntas que havia mantido em segredo: uma demonstrando
que a maioria quer a saída de Temer, e outra mostrando uma expressiva
minoria que vê o impeachment como uma violação da democracia (a Folha deixou de mencionar que estes novos dados, na verdade, haviam sido publicados anteriormente pelo Tijolaço).
No entanto, o jornal insistiu que não havia nada de errado em
esconder esses dados. Publicaram uma citação do próprio editor
executivo, Sérgio Dávila, argumentando que é “prerrogativa da Redação
escolher o que acha jornalisticamente mais relevante no momento em que
decide publicar a pesquisa”. Dávila insistiu que “o resultado da questão
sobre a dupla renúncia de Dilma e Temer não nos pareceu especialmente
noticioso, por praticamente repetir a tendência de pesquisa anterior e
pela mudança no atual cenário político, em que essa possibilidade não é
mais levada em conta.”
Não se pode subestimar a desonestidade dessa resposta e quanto o editor executivo da Folha conta com a ingenuidade de seus leitores. O maior absurdo da reportagem da Folha foi
dizer que o país deseja a permanência de Temer como presidente até 2018
e apenas uma pequena porcentagem quer novas eleições.
Mas, ao mesmo
tempo em que publicava isso, a Folha tinha em mãos os dados que
provam que essas afirmações eram 100% falsas, mostrando que, na
realidade, o oposto era verdadeiro. A grande maioria dos brasileiros
querem que Temer saia do poder, e não que o interino permaneça como
presidente. E uma expressiva maioria, não uma parcela ínfima, quer novas
eleições.
Nenhuma das desculpas de Dávila resiste sequer ao menor
questionamento. Se é jornalisticamente irrelevante saber a porcentagem
de brasileiros favoráveis a novas eleições, por que a Folha encomendou
a pergunta? Se essa pergunta sobre novas eleições é irrelevante, por
que esse dado foi não apenas incluído, mas proeminentemente destacado
pelo Datafolha no título do relatório original? Por que, se esse dado é
irrelevante, o Datafolha o publicou originalmente e depois o retirou do
ar em nova versão que excluía essa informação? E como esse dado pode ser
considerado jornalisticamente irrelevante pela Folha quando ele contradiz diretamente as afirmações alardeadas na capa do jornal e, em seguida, reproduzidas pelos maiores jornais do país?
Outros meios de comunicação também consideraram esses dados
relevantes. Ontem à noite, a edição brasileira do El País publicou um
artigo de destaque com a manchete: “62% apoiam novas eleições, diz dado
que Datafolha publica agora”. O El País aborda o ocorrido tanto como um
escândalo jornalístico, quanto político, descrevendo como a Folha
escondeu esses dados até serem encontrados em consequência de nosso
artigo. O jornal também publicou outra matéria citando especialistas que
corroboraram as posições de nossos entrevistados, criticando
veementemente a Folha pelo uso impróprio dos dados da pesquisa.
Fica extremamente óbvio o que realmente aconteceu: a Folha de São
Paulo fez alegações falsas sobre as questões políticas relevantes do
país e, além disso, sabiam que eram falsas quando as publicou. A Folha
tinha em mãos os dados que comprovam a falsidade das alegações, mas
optou por efetivamente escondê-las de seus leitores. Ou melhor, alguém
decidiu por tentar retirá-los da Internet.
O mais surpreendente é que todo esse esforço foi feito para negar o
desejo de democracia: fazendo o país acreditar que a maioria dos
brasileiros apoiam a figura política que tomou o poder de forma
antidemocrática e que não há necessidade de realizarem-se novas
eleições, quando a verdade é que a maioria do país quer a renúncia do
“presidente interino” e a realização de novas eleições para escolha de
um presidente legítimo.
Conforme dissemos ontem, é impossível estabelecer se a Folha
agiu de forma proposital com o intuito de enganar seus leitores ou com
extrema incompetência e negligência jornalísticas – embora as evidências
sugerindo aquela possibilidade sejam mais abundantes hoje que ontem.
Motivos à parte, é indiscutível que a Folha essencialmente enganou seus
leitores no que diz respeito a questões políticas cruciais e escondeu
provas fundamentais apenas publicadas após serem pegos em flagrante.
Traduzido por Inacio Vieira
FONTE: https://theintercept.com/2016/07/21/a-fraude-jornalistica-da-folha-e-ainda-pior-surgem-novas-evidencias/
Nenhum comentário:
Postar um comentário